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Fer^eirp, T, Augusto (-To?;e /u Origem.? do christianisrrjo '^'
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COLLKCÇÂO «SCIÊNGIA E RKLIGIÃO»
LXXVI
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MONSENHOR FERREIRA
PRIOR DE VILLA DO CONDE
ORIGENS DO CHmSTIANISMO
NA
península hispânica
A VILLA DE RATES, SUA IGREJA E SEU MOSTEIRO
PÓVOA DE VARZIV!
LIVHARIA. POVOENSE — KDITOF.A
DK
JOSÉ PEKEIKA DK CASTKO Ageite geral no Brazil — Livraria Salesiana Editora — S. Paul»
Collecção "SCI EN Cl A E RELIGIÃO.,
Publicação mensal (no dia 15 de cada niez)
director: (lonios dos Sanios
VOLUM£S PUBLICADOS
1 — Sclencia e Relisriao, por F. Brunetière.
2 — Historia social da Eijreja, por Ch. Billiet.
3 — Impossibilidade do socialismo, por V. Cathrein.
4 — Á philosopliia moderna, por E. Mahon de Monaghan.
5 — Darwinismo, uionismo, transformismo, pelo Padre Hamard.
6 — Moralidade da doutrina evolutiva, por F. Brunetière.
7 — A noção christã da democracia, por F. Toniolo.
8 — A usura no tempo presente, por E. Dehon.
9 — Casamento e união livre, por Jorge Fonsegrive.
10 — A resurreiçâo de Chrlsto perante a sciencia, por Duplessy.
11 — Os direitos do homem, pelo P.^ J. Brugerette.
12 — A condição dos operários, por Leão xiii.
13 — Da duvida á fé, pelo P.e F. Toumebize.
14 — Vida e matéria, pelo P.^ Th. Ortolan.
15 — Principios de sociologia Catholica, por A. Naudet.
16 — A Arte e a Moral, pelo P.e Sertillanges.
17 — A Biblia e as theorias scientiíicas, por B. Colomer.
18 — A Inquisição, por G, Romain.
19 — O espiritismo, por A. Jeanniard du Dot. 20 — O problema da vida, por C. Mano.
21 — O Protestantismo, por D. Prior Manuel d'Albuquerque.
22 — O catholico perante u sciencia, por Georges Fon- segrive.
23 — Estudos bíblicos, por Lino Murillo.
24 — As razões de crer, por F. Brunetière.
25 — O hypnotismo, pelo Dr. Manoel Anaquim. 26 — A questão social, por Biesa y Pueyo.
ly — A educação das mulheres, por Mgr. Spalding.
28 — Diálogos de hoje, pelo prof. Bovier Lapierre.
29 — O Catholicismo em Portugal, por Gomes dos Santos. 30 — O Espirito e a Carne, por Henri Lasserre.
31 — A Mulher, por João Antunes.
32 — Paginas de critica, por Gomes dos Santos.
33 — Questões SOCiaes, por Fernando de Sousa.
34 — O Pentateuco, pelo abbade Broglie.
35 — A verdadeira Egreja de Christo, por Dom Prior Manuel d' Albuquerque.
36 — Princípios de economia politica, por Rubat du Mérac.
na m
A Villa de Rates, sua Igreja e seu Mosteiro
Typ. da E.MP. LITTER. E TYPOGRAPHICA • • Officinas movidas a electricidade » • R. Elias Garcia, 184 • • PORTO • » 1912
LIVRARIA P0U0EH5E EDITORA
Santa Lyd'Mrina de Scbledam, ]>ot Huj-HmnnR. Approvada peloa hx."''^ e Kcv.°«" Snrrf. Arcfcbihpo de Braga e Bispo do Porto. E' a mais extraordinária vida de santa qn« se tMiihhc^, rescendendo por toda ella os mais extranbos e celestes effluvio.s d'nma existência an- gelical. Ura formoso vol. de 340 pag. com o retrato do aactor, bro- chado 500
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A Condem nação do Socialisráo, depoimentos de philosopbos, ecoiioniistíis e sociólogos, interessante opúsculo de propaganda anti- soci.-i!i^t;i 60
Vida de .Santa Rosa de lltmar poc-Junius. Broc, 2'JO; ene 300
COLLECÇlO * SGIÊNCIA E RELIGIÃO»
LXXVI
MONSENHOR FERREIRA
PRIOR DE VILLA DO CONDE
ORIGENS DO CHRISIlilSMO
NA
península hispânica
A VILLA DE RATES, SUA IGREJA E SEU MOSTEIRO
PÓVOA DE VARZIM
LIVRARIA. POVOE3MSE — EDITORA
DE
JOSÉ PEREIRA DE CASTRO Agente gerai no Brazll — Livraria Salesiana Editora — S. Paulo
NTRODUCÇAO
Como preliminar do modestissimo trabalho, que vae seguir-se, sobre as Origens do Christicmismo na Peninsula Hispânica, pareceu-me acertado estudar as perseguições, que os judeus da Palestina moveram ao Christianismo ; porque a ultima determinou a via- gem de S. Paulo a Roma no anno 61 e o seu pri- meiro captiveiro nesta cidade durante dois annos, findos os quaes, veio á Espanha em missão apostólica no anno 63, de que terei de datar o estabelecimento da religião christã na Peninsula.
As perseguições dos judeus palestinianos ao cbris- tianismo foram três: a primeira nos annos 36-37, de que resnltou a morte do diácono P^stevão e a destrui- ção da Igreja cenobitica de Jerusalém ; a segunda no anno 42 promovida pelo rei Herodes Aggrippa i, cujas consequências foram o martyrio do apostolo S^ Thiago o Maior e a prisão do apostolo S. Pedro, que, libertado miraculosamente, no mesmo anno partiu para Koma, onde imperava Cláudio ; a terceira e ultima nos annos 58-60, donde, como já disse, derivou a
b INTRODUCÇÃO
viagem de S. Paulo a Roma, afim de ser julgado no tribuual de César, para que tiuha appellado, na sua qualidade de cidadão romano, porque não confiava na justiça do tribuual dos judeus, e por isso, como des- forra ou vingança destes, a morte do apostolo S. Thiago o Menor^ primeiro bispo da Igreja judeo- christã de Jerusalém, no anno 62.
Na cidade de Jerusalém, no dia do Pentecostes ^ do anno 33, immediatamente á descida do Espirito Santo sobre os apóstolos, começaram estes a pregação do Evangelho, e com tal êxito que o numero dos cren* tes baptizados ou agregados naquelle dia ou nos se- guintes foi de cerca de três mil. *
Na época das festas era grande o numero de fo- rasteiros, que de todas as partes ia a Jerusalém. De modo que uma enorme multidão atraída pelo estam- pido, que acompanhou a descida do Espirito Santo, acudiu ao Cenáculo, onde os discipulos reunidos eram apenas cento e vinte, pois os restantes até ao numero de quinhentos, que Jesus havia deixado, subindo ao céo, ficaram de certo na Galilêa. ^ Foi com este nu-
* O Pentecostes judeu, cincoenta dias depois daPas- choa, commemorava a promulgação da lei no Sinai. ' Act. II, 41. ^ I Cor., XV, 6 ; Âct., i, 15.
,INTRODUCgÃO 7
cleo de galileus, e com aquelles que adheriram no dia do Pentecostes, que se constituiu e fundou o Christianismo.
Acabada a festa, e tendo retirado os forasteiros, os adeptos da nova crença augmentavam todos os dias, ,no dizer dos Actos dos Apóstolos^ elevando-se até cinco mil ^ depois do discurso proferido por S. Pe- dro no pórtico de Salomão após a sensacional cura do paralytico, que á porta Especiosa do Templo pedia esmola. ^
Os crentes estavam unidos, e tudo o que cada um tinha era possuído em commum por todos, não obs- tante esta communidade de bens não ser nem obri- gatória nem absoluta. ^
Posto que nesta primeira phase a Igreja de Jeru- salém fosse exclusivamente judaica, todavia compu- nha-se d'um elemento pagão, isto é, dos proselytos que eram aquelles que da gentilidade tinham vindo para o judaismo; dos hebreus^ que eram os judeus da Palestina que fallavam o hebreu ou antes o ara- meu e liam a Biblia no texto hebreu ; e dos helleiíis- taSj isto é, judeus que fallavam o grego, liam a Biblia em grego, tinham vivido no extrangeiro, e em conta- cto com a civilização grega haviam adquirido ideias largas, e que por isso se abriam facilmente a conce- pções religiosas novas.
* A população de Jerusalém era de cerca d'um mi- lhão de habitantes.
* Act.j in 6 IV, 4, e ii, 44.
' Vigouroux, Man. Bihl., iv, p. 50.
S INTRODUCÇÃO
E' claro que o christianismo pregado em primeiro logar aos judeus viu-se forçado a ficar judeu d'obsér- vancia e de espirito por alguns annos, tão enraizada era a fé judaica, e tão religiosa a sua ligação á Lei. ^
Muitas das leis ceremoniaes eram simultaneameute civis e religiosas, porque a constituição do povo he- breu era uma theocracia pura ; portanto recusar sub- metter-se a essas leis importava a abdicação da nacio- nalidade. Um incircumcizo não podia pertencer a Israel ; porque a circumcizão era o signal da nacio- nalidade, a carta de naturalização.
Mais: 03 judeus não podiam romper com a Lei, pois aquelles que abandonassem as instituições mosai- cas eram considerados apóstatas ou renegados.
D'ahi os novos conversos ao Christianismo conti- nuavam a ir ao Templo orar com os seus compatrio- tas nos dias e horas marcadas, celebravam as festas legaes, guardavam o sabbado, faziam circumcidar os seus filhos, abstinham-se de carnes prohibidas, e fa- ziam e cumpriam o voto do naxirato.
Além destas práticas judaicas reuniam-se em casas particulares (igrejas domesticas) para assistirem ao memorial da Paixão de Christo e participarem da Eu- charistia," a fracção do pão. ^
Segundo a opinião commum, ágapes fraternaes acompanhavam a celebração deste santo mysterio.
Os apóstolos acceitaram este modus vivendi, visto
* BatiíTol, UÈglise naissante^ pag. 70. 2 ^c/., II, 41-47.
INTRODUCÇÃO "9
que o Christianismo, no desígnio do seu próprio au- ctor, era o complemento e perfeição do judaismo; ^ todavia houve um tempo, em que o espirito christão esteve ameaçado de soffrer a influencia das máximas, que prevaleciam no grupo judaizante da Igreja de Jerusalém ; mas providencialmente triumphou da crise e desviou definitivamente o perigo.
Relatemos : nesta primeira phase da igreja nas- cente um grande numero de pessoas, particularmente as viuvas e os orphãos, eram sustentados á custa da Communidade. Ora os hebreus encarregados das distri- buições quotidianas desprezavam as viuvas dos Tielle- nistas.
Isto deu logar ao descontentamento destes e a re- clamações, que foram attendidas pelos apóstolos, em- bora sob a appareneia d'uma concessão benévola.
O elemento hellenista foi introduzido no governo da Communidade, sem comtudo egualar, é claro, a auctoridade dos 'í:doze> apóstolos.
Entre os hellenistas encontravam-se homens novos, emprehendedores, ávidos de acção e de conquistas, que contribuíram para orientar a Igreja para horisontes mais vastos do que aquelles em que voluntariamente se tinha encerrado o grupo galileu. ^
Instiiuiu-se, pois, o diaconato. Os apóstolos propu- seram á assembleia a escolha de «sete> indivíduos
í Math., V, 17.
* Leclercq, Man, d' Ar eh. Chrét., I, pag. 103 e segg. e 337 e segg.
10 INTRODUCÇXO
dos mais competentes, recaindo a votação em Este- vão, Philippe, Prochoro, Nicanor, Simão, Parmenas e Nicolau. Todos do grupo hellenista, com excepção do ultimo, que era proseljto d'Antiochia, isto ó, gentio filiado no judaismo antes da sua conversão ao Chris- tianismo.
A missão dos diáconos era presidir á distribuição das mesas, pregar, baptizar e ministrar a S. Eucha- ristia. ^
Foi maravilhosa a fecundidade desta instituição!
Foram notabilissimos os serviços prestados pelos diáconos, sobretudo como pregadores !
Logo veremos o que elles fizeram como evange- listas.
Emquanto os judaizantes, quisilentos e mesqui- nhos, reunidos em volta do apostolo S. Thiago, o Menor, continuavam a vegetar, os outros, judeus ou hellenistas, sob o impulso irresistível d'um recemvin- do, o apostolo S. Paulo, voltaram-se resolutamente para a Gentilidade, isto é, deixaram a civilização ju- daica peia civilização grega.
D'aqui as vantagens que advieram á Igreja da crise hellenistica, que se não se tivesse produzido, não é fácil prever o que aconteceria. ^
Quanto ás relações das primeiras communidades christãs com as sjnagogas eram bastante tensas, havia entre ellas um dissentimento profundo, que se mani-
1 Act., VI, 1-7.
^ Leclercq, Man. d'Arch. cit., pag. 339.
INTRODUCÇÃO 11
festava por um azedume, dia a dia exacerbado, entre judeus e fieis.
A ruptura era, pois, inevitável.
Já por duas vezes os apóstolos S. Pedro e S. João tinham sido presos e obrigados a comparecer perante o Sjnédrio, supremo conselho dos judeus e alto tri- bunal composto de setejita e um membros, presididos pelo summo sacerdote, e que tinha a seu cargo as questões religiosas e outras taxativamente determina- das na lei mosaica.
Na segunda vez aquelles dois apóstolos foram sal- vos da morte por intervenção de Gamaliel, doutor da Lei, muito estimado do povo.
«Se a nova crença, dizia aquelle jurisperito aos seus colegas do Svnédrio, é coisa frivola ou fútil, Dão é necessário perseguí-la, ella cairá por si mesma ; se pelo contrario, é obra de Deus, então excusado será resistir-lhe. »
Apezar de tudo os dois apóstolos foram açoitados por desobediência ao mandado do tribunal, que da primeira vez lhes prohibira fallar de Jesus.
Como era d'esperar, os apóstolos saíram da flagel- lação radiantes de alegria, por serem julgados dignos de soffrer uma afFronta por Aquelle que amavam. ^
Eterna puerilidade das repressões penaes applica- das ás coisas da alma! E talvez, quem. sabe, fossem julgados homens de governo aquelles que pensavam
1 AcL, V, 34-41.
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go^aíi rio judoiiH kftLUni.:itaH; n'urna d'f;llaH chamada doíí ÍJhnrlini, ondo r-oncorriam (JijrnnnuM, AUxanAri- no», (ydicÀOH a Aúaticon da Anía Mí;riõr, levantoij-ne uma discusftflo acalorada com Entovâo, cijjocí atrevi- mentos de linguagem haviam escandalizado os aHfíiíi- tentes. *
Prepararam d'antem;io an testemunhas, que deviam Mil í colher nas discussrjes al^^nimas palavras contra Moys/;fí, cuja abolição das instítuir;?jes elle pr^^íj^ava. *
Estevão foi preso e levado perante o Syn^^ídrio.
Depuzeram falsamente as testemunhas, que accu- saram o diácono de ter dito que Jesus Nazareno des- truiria o Templo e mudaria as tradií;?}es de Moys/íS.
A defesa do accusado foi no fundo um libello contra os membros do Synódrio, principaes auctores da morte de Christo, o que irritou juizes e publico.
A sentença de morte foi lo^^o proferida nos termos da Lei, ^ e immediatameute executada sem o placet do governador.
Estevão, arrastado para fora da cidade, foi lapi- dado como blasphemador, sendo as testemunhas os primeiros executores conforme a Lei. *
Esta execução não foi, porém, um facto isolado.
A morte de Tibério (março de 37; lançou as au- ctoridades da Syria n'uma grande perturbação.
* Nas synagogas judaicas todos tinham a palavra.
' Renan, Lea Apôtres, pag. 88.
' Lev.^ XXIV, 14 ; Deut., xvu, 7.
^ Act., VI, 7-15 e VII.
12 INTRODUCÇÃO
que com alguns açoites punham termo ao Christia- nismo!
Estas violências procediam sobretudo dos saddu- ceiís, isto é, do clero aristocrático, que via os seus interesses ameaçados pelo proselitismo progressivo da nova crença. ^
Depois da eleição dos diáconos, com as suas pre- gações augmentou consideravelmente o numero dos fieis, e até sacerdotes judeus se converteram. ^ .
Isto, é claro, alarmou a soberba e poderosa fami- lia de Hanan ou Anuaz, cujo filho Jonathas succe- deu a Caipha ou Caifáz, ' que exercera o supremo pon- tificado desde o anno 17 até 36,* em que foi deposto por Lúcio Yitellio, pouco tempo depois de Pilatos. E o que mais a exacerbava era a accusação publica- mente feita pelos oradores de que o Synédrio havia commettido um crime matando Jesus, verdadeiro Mes- sias, fazendo assim cair sobre os juizes o sangue do Justo.
Entre os diáconos, Estevão, que parece ser o chefe, era o que mais se havia salientado na pregação.
As auctoridades judaicas, aproveitando talvez a suspensão de Poncio Pilatos, governador da Judeia, ordenada por Lúcio Yitellio, delegado imperial da Syria, resolveram perder aquelle pregador audaz.
Havia em Jerusalém um grande numero de syna-
^ Renan, Les Apôtres^ pag. 85.
2 Act., VI, 7.
^ Caifáz era genro de Annaz.
* O summo sacerdote era o chefe da nação.
INTRODUCÇÃO 13
gogas de judeus hellenistas; n'uma d'ellas chamada dos Libertini, onde concorriam Cyreneus, AlexandH- nos, CíUcios e Asiáticos da Ásia Menor, levantou- se uma discussão acalorada com Estevão, cujos atrevi- mentos de linguagem haviam escandalizado os assis- tentes. ^
Prepararam d'antemão as testemunhas, que deviam colher nas discussões algumas palavras contra Moysés, cuja abolição das instituições elle pregava. ^
Estevão foi preso e levado perante o Syncdrio.
Depuzeram falsamente as testemunhas, que accu- saram o diácono de ter dito que Jesus Nazareno des- truiria o Templo e mudaria as tradições de Moysés.
A defesa do accusado foi no fundo um libello contra os membros do Synédrio, principaes auctores da morte de Christo, o que irritou juizes e publico.
A sentença de morte foi logo proferida nos termos da Lei, ^ e immediatamente executada sem o placet do governador.
Estevão,' arrastado para fora da cidade, foi lapi- dado como blasphemador, sendo as testemunhas os primeiros executores conforme a Lei. *
Esta execução não foi, porém, um facto isolado.
A morte de Tibério (março de 37) lançou as au- ctoridades da Syria n'uma grande perturbação.
* Nas synagogas judaicas todos tinham a palavra. ^ Renan, Les Apôtres, pag. 88.
3 Ler., XXIV, 14; Deut., xvil, 7.
* Act., VI, 7-15 e VII.
14 INTRODUCÇÃO
Caligula, que lhe siiccedeu, era um desassizado, e a administração publica começou a anarchizar-se por toda a parte.
Depois da demissão de Pilatos e das concessões feitas aos judeus por Lúcio Yitellio, assentou-se em que o país se governasse pelas suas leis.
Marullo, amigo de Yitellio, que substituiu provi- soriamente Pilatos no governo da Judeia, tinha a preoccupação de não descontentar os judeus, que amar- guraram o seu antecessor e lhe promoveram a desti- tuição; d'ahi, com o afrouxamento dos fuucciona- rios romanos, os judeus orthodoxos, ardentes no seu fanatismo, fizeram estalar tão violenta perseguição contra a Igreja de Jerusalém que os fieis hellenistas e proselijtos foram coagidos a abandonar a cidade, ficando ali apenas os apóstolos com alguns dos he- breus. ^
N'esta perseguição, promovida pelo summo sacer- dote e pelos sadduceus do seu partido, destacou-se um moço chamado Saulo pela attitude feroz que tomou contra os fieis, e pela sua cumplicidade na morte de Estevão.
Claro que a Igreja de Jerusalém com as suas re- feições em communidade, com os seus cargos de diá- conos^ com os seus vários exercícios, cessou desde então, e nunca mais se reformou pelo primeiro mo- delo. Tinha durado três ou quatro ânuos.
^ Renan, Les Âpôtres, pag. 108 e 109.
INTRODUCÇÃO 15
II
O resultado d'esta primeira perseguição foi, como era de prever, uma expansão da doutrina que se pre- tendia entravar.
Até aqui a pregação christã encerrada dentro dos muros de Jerusalém nunca irradiou para fora da ci- dade; agora os hellenistas e prosei i/tos, violentamente expulsos do seu bairro, levaram o Evangelho a toda Qr Judeia, Galilêa e Samaria, á Phenicia, a Chypre e Antiochia, não pregando a ninguém, comtudo, senão aos judeus ^.
Os diáconos, despidos das suas funcções adminis- trativas pela dissolução da communidade, tiveram um papel preponderante n^estas missões, destacando-se so- bre todos o diácono Philippe, que evangelizou a Sa- maria com grande resultado.
' Antiochia, terceira cidade do mundo ^, residência do leofado imperial da Syria, com uma população su- perior a quinhentas mil almas, e d'uma civilização toda profana, onde viviam promiscuamente judeus puros, judeus proselytos, pagãos semi-judeus e os pu- rés pagãos, recebeu o Evangelho de missionários chy- priotas e cyreneus, que tiveram por isso de renunciar á' sua regra, e de pregar indistinctamente a judeus e a. gregos, isto é, a pagãos.
Foram estes missionários os fundadores da Igreja
1 Act., XI. 19.
2 A primeira era Roma e a segunda Alexandria.
16 INTRODUCÇÃO
d'Antiochia, onde a prédica christã produziu um effeito extraordinário.
Fundaram ali uma igreja nova, livre das peias do estreito mosaismo, igreja que foi o segundo berço do christianisrao e o centro da grande propaganda da edade apostólica.
Logo porém que, em Jerusalém, se soube que em Antiochia havia sido pregado o Evangelho aos pagãos, foi enorme o alvoroço.
De Jerusalém foi enviado a Antiochia, como dele- gado do coUegio apostólico, Barnabé, que viu e appro- vou tudo o que fora feito, conforme as instrucções que trazia dos apóstolos, nomeadamente S. Pedro e Su João, e declarou que a Igreja nova devia prose- guir no caminho que encetara ^.
D'onde se deve concluir que de facto na Igreja de Jerusalém havia um grupo de hebreus^ provavel- mente vindos do phariseismo, que ficaram zeladores da Lei, e por isso eram contra o accesso dos incir- cumcizos á fé, ou antes, á fé isolada de toda a obser- vância da lei judaica; mas este grupo, apezar de se compor de fanáticos exaltados e bulhentos que com- bateram S. Pedro e crearam difficuldades ao aposto- lado de S. Paulo ^, não passava d'uma minoria ano- njma, que não conseguiu o seu intento. Os demais fieis da Igreja judeo-christã de Jerusalém, que cons- tituíam a maioria, acreditando na perennidade da Lei,
1 Act, XI, 20-26.
* Act., XV, 1 e 6 ; Ep.. ad Gal, l, 6 e 7.
INTRODUCÇÃO 17
continuavam a observá-la, mas não a impunham aos pagãos que se convertessem, nem por isso se recusa- vam a ter relações com elles ^.
S. Barnabé, judeu hellenista, oriundo da ilha de Chypre, e que tinha sido dos primeiros a filiar-se na igreja nascente, era um homem intelligente, d'uma grande dedicação, e um pregador inspirado.
Pertencia ao grupo dos que queriam a igreja aberta para todos e exercia n'ella um papel prepon- derante; era talvez a cabeça mais esclarecida da Igreja de Jerusalém.
A escolha do seu nome para a missão, que os apóstolos lhe confiaram, foi, pois, acertadíssima.
S. Barnabé desempenhou-se d'ella com grande in- telligencia e muita sollicitude.
S. Barnabé começou a trabalhar nas missões d'Antiochia, depois vendo o enorme fructo do seu apostolado, e, considerando deante de si uma seara vastíssima para que elle só era insufficiente, teve a luminosa ideia de ir a Tarso buscar S. Paulo, cuja missão elle conhecia, trazê-lo para Antiochia, e asso- ciá-lo aos trabalhos d'evangelização e consolidação d'aquelia Igreja.
S. Paulo era, como Barnabé, outro judeu Jielle- nista, natural da cidade de Tarso, na Cilicia, homem de grande talento e erudição, versado nas letras hu- manas que tinha aprendido na sua pátria, e nas scien- cias divinas em Jerusalém, na escola de Gamaliel,
^ Batiffol, UEglise Naissante^ pag. 76.
ORIGENS DO CHEISTIA2ÍISM0
18 INTRODUCÇÃO
temperamento resistente, c figura inconfundivel de orador potente, fora cúmplice, como já vimos, com o nome de Saulo que então usava, na lapidação de Es- tevão e agente principal da perseguição do anuo 37.
Quando, dispersa a igreja hierosoljmitana, cami- nhava na sua tarefa sanguinária de perseguidor cruel com cartas do summo sacerdote Theophilo, ^ filho de Hanan ou Annaz para a synagoga de Damasco, as quaes lhe conferiam o poder de prender e trazer amarrados para Jerusalém os adeptos da nova crença, próximo dos muros d'aquella cidade foi convertido miraculosamente ao Christianismo.
De modo que o acérrimo e infatigável perseguidor transmuda-se agora n'um fervoroso e dedicado apos- tolo, que, pelos seus trabalhos indefessos e pelos re- cursos eminentes de que dispunha, prestou ao Chris- tianismo os mais relevantes e extraordinários serviços.
Paulo e Barnabé estiveram em Antiochia durante um anno inteiro, n'uma activa collaboração. ^
Estes dois homens notáveis, pela sua fecunda ori- ginalidade, levantaram a igreja de Antiochia a uma altura a que nenhuma outra ainda tinha chegado.
Foi u'esta cidade que os adeptos de Christo foram pela primeira vez chamados christãos; os fieis appel- lidavam-se uns aos outros «discípulos*, «irmãos», «sauctos>; os judeus chamavam-lhes «nazarenos».
^ Succedeu a seu irmão Jonathas, e exerceu o poiír tificado desde o Pentecostes do anno 37 até 42. 2 Act., XI, 26.
INTRODUCÇÃO 19
Foi em Antiochia que a nova crença recebeu o nome, que é o signal detiuitivo da sua existência.
E' pelo nome que um ser individual ou collectivo se torna distincto, separado e iuconfundivel com. qual- quer outro. A formação da palavra christianiis ou chrestianus fixa a data em que a Igreja de Jesus se separou do judaísmo.
Herodes Agrippa i era um soberano judeu em todo o rigor do termo. Observava escrupulosamente a reli- gião judaica. Os judeus estavam contentissimos, por- que tinham um rei á sua vontade.
Ora um soberano assim desvelado em agradar aos judeus, era natural, tornou-se um perseguidor de tudo o que se apartava da rigorosa orthodoxia.
O apostolo S. Thiago o Maior tinha-se mostrado veheraente e acrimonioso na sua pregação; por isso foi decapitado pouco antes da Paschoa do anno 42.
Não houve processo por crime contra a religião de Movscs perante o Synédrio, a sentença foi pro- ferida em virtude do poder arbitrário do soberano, como succedeu com S. João Baptista.
Enthusiasraado pelo bom effeito que esta execução tinha produzido no animo dos judeus, fez prender S. Pedro, cujas funcçOes de chefe do collegio apostólico e zelo pela causa christã o indicavam de preferencia ao furor dos judeus.
Era a semana da Paschoa.
Como nesta occasião a cidade se enchia de foras- teiros, tinha Herodes Agrippa um ensejo favorável de manifestar o seu pretenso interesse pela Lei: por isso mandou encarcerar S. Pedro na cidadella Antónia,
20 INTRODUCÇÃO
para o fazer julgar e matar com grande apparalo pe- rante a enorme multidão de povo então junto.
Aconteceu, porém, que S. Pedro pôde evadir-se miraculosamente da prisão, e d'ahi partiu para Roma, onde imperava Cláudio, fazendo talvez escala por An- tiochia, em companhia de S. Marcos, seu discípulo e interprete. ^
Deve também datar-se d'aqui a dispersão dos ou- tros apóstolos, que, com excepção de S. Thiago o Me- nor, bispo de Jerusalém, sairam desta cidade, para pregar o Evangelho em países remotos; mas a histo- ria da maior parte d'elles é muito pouco conhecida e d*alguns até nada se sabe.
III
Disse anteriormente que Antiochia fora o segundo berço do Christianismo.
E, de facto, em Antiochia fuudou-se a primeira igreja christã, com elementos pagãos; em Antiochia recebeu o Christianismo o seu nome; Antiochia, final- mente, foi o ponto de partida ou o quartel general das excursões apostólicas de S. Paulo.
Estas viagens notáveis começadas no anno 45 e largamente relatadas nos Actos dos Apóstolos foram três e tiveram por foco primordial a cidade de Antiochia.
Act., xn, 1-19.
INTRODUCÇÃO 21
Na primeira, S. Paulo teve por companheiros S. Barnabé e S. João Marcos; na segunda, Silas, Timo- theo e S. Lucas, medico d'Antiochia e homem culto; na terceira, S. Lucas, Tito, Timotheo e outros. ^
Pode dizer-se que o pharol do Christianismo, acceso na Syria, projectara d'ali os seus raios e illuminára quasi simultaneamente as três grandes penínsulas da Ásia Menor, da Grécia e da Itália, e n'um segundo reflexo quasi toda a costa do Mediterrâneo.
Estas viagens do Mediterrâneo eram relativamente fáceis; porque havia uma numerosa marinha de nave- gação costeira.
Na parte oriental fallava-se a lingua grega, e a diffusão dos judeus em todo o litoral era enorme.
No tempo d'Augusto os judeus constituíam 7 *^/q da população do Império.
Demais o itinerário estava traçado.
A pregação christã quasi seguiu a esteira da emi- gração judaica.
Os portos d'arribada eram quasi todos balisados por colónias judaicas.
Se acompanharmos de perto as missões apostólicas de S. Paulo, veremos que elle inaugurou as pregações christãs nas synagogas, e aqui constantemente se nos depara: em Damasco, em Antiochia de Pisidia, era
^ S. Paulo tinha aprendido um officio mecânico. Era tecelão ou fabricante de pannos. Durante as viagens, como era pobre, vivia do producto do seu trabalho manual. O pae havia-o educado para rabbi.
22 INTRODUCÇÃO
Iconio, em Thessalonica, em Berêa, em Athenas, e em Coryntho. ^
S. Paulo começou a evangelização entre os seus compatriotas no logar e dia em que elle sabe que os encontra, e em todas as occasiões as suas palavras não deixaram duvidas sobre os seus propósitos.
Não vera recrutar dissidentes e destacar os parti- dários d'um scisma para cora elles organizar uma seita, S. Paulo propõe aos seus antigos correligioná- rios acreditar em massa em Jesus Christo.
Depois da recusa d'estes, resolveu abandonar a synagoga ao seu destino, mas renovava sempre a ten- tativa em cada cidade, em que entrava.
Parece que S. Paulo pensou em apropriar aos ritos christãos as synagogas, logares officiaes do culto moisaico; desejaria talvez sair do período embrionário das igrejas domesticas.
Repellido, porém, em toda a linha, teve de vol- tar-se de novo para estas, como aconteceu em Troada, onde a assembleia se reunia n'um terceiro andar, em Roma na casa d'Aquila e Prisca, e em Colosses na casa de Nympha e na de Phileraon. ^
O que é certo é que no coraeço da Igreja de Je- rusalém e principalmente nas missões de S. Paulo houve entre os fieis a intenção de entrar em combi- nações com a synagoga.
As bases desse accordo são desconhecidas ; mas é
' AcL, IX, xíii, XIV e XVII.
"^ Act., XX, 6-9; Rom., xvi, 5; Coloss., iv, 15; PhiL, 2.
INTRODUCÇÀO 23
presLimivel, diz Leclercq, ^ que um dos resultados da ejitentc fosse uma adaptação das condições materiaes da installacão d'uraa igrejii^ ás condições materiaes da installacão d'uma synagoga.
Com que fim?
É claro que o Christianismo apresentava-se como herdeiro legitimo do povo eleito outr'ora por Deus para ser depositário da promessa do Messias; ora essa qualidade de herdeiro devia ser-lhe facilmente conce- dida tanto mais quanto estivesse já de posse da he- rança; além d'isso os christãos, para melhor affirraar a sua propriedade, fizeram dos livros sagrados dos ju- deus a base histórica dos seus dogmas e a illustração do seu ensino moral: mais claro: a Igreja absorvia Israel.
Os judeus, porém, obstinados na sua incredulida- de, resolveram isolar-se e encerrar-se no seu passado;^ mas a separação entre a synagoga e a Igreja só se consumou de facto na perseguição de Xero do anno 64, embora a Igreja judeo-christã de Jerusalém ainda continuasse com alternativas até o anno 13õ, em que o imperador Adriano baniu para sempre os judeus de Jerusalém e lhes prohibiu as práticas da sua religião; o Templo, esse já tinha sido destruído no anno 70, no governo de Vespasiano.
1 Man. d'Arch. Chrét., I, pag. 164.
* Os judeus, cegos pelos seus prejuízos, queriam um Messias que não só lhes desse a independência nacional, mas também o dominio sobre as outras nações pagãs. Sonho politico!. . .
24 INTRODUCÇÃO
*
De regresso da sua ultima viagem, no auno 58, S. Paulo dirigiu-se a Jerusalém com o fim de levar esmolas á Igreja-mãe, onde pela nova organização depois da perseguição do anno 37 se tinha fundado uma grande caixa dos pobres, para que contribuíam com donativos as igrejas particulares. ^
S. Paulo foi muito bem recebido pelos chefes da Communidade; todavia S. Thiago preveniu-o do pro- fundo descontentamento que havia contra elle Paulo entre os judéo-christãos, fieis observantes da Lei mo- saica, cuja abolição lhes constava que mesmo para os judeus elle S. Paulo havia pregado nas suas excursões apostólicas.
Nã;0 ha duvida de que S. Paulo ensinava que os judéo-christãos não eram obrigados a observar a Lei^ mas que o podiam e até deviam fazer, se essa omissão causasse escândalo.
Elle mesmo se fazia judeu com os judeus, ^ como provou com a circumcizão de Tiraotheo.
Para acalmar os ânimos e prevenir conflictos acon- selharam-lhe uma demonstração eminentemente judai- ca, o voto do nazirato, ^ a que promptamente se sub- metteu na companhia de quatro judéo-christãos.
1 Yigouroux, Man. Bihl, iv, pag. 144.
8 Act. XVI, 3.
' Este voto consistia em consagrar-se a Deus por um certo tempo, deixar crescer os cabellos, abster-se de be-
INTRODUCÇÃO 25
Passada uma semana, os judeus da Ásia Menor, provavelmente de Epheso, fanáticos exaltados e desor- deiros, viram S. Paulo no Templo, prenderam-no e sublevaram a multidão.
Accusaram-uo de pregar por toda a parte e a toda a gente contra o povo, contra a lei e contra o templo, e até aleivosamente affirmaram que elle o profanara introduzindo Trophimo, pagão convertido, no átrio dos judeus, que os pagãos não podiam transpor, sob pena de morte.
O barulho ensurdecedor que se fazia dentro do Templo echoou na cidade, e em breve o motim se ge- neralizou.
S. Paulo teria sido infallivelmente assassinado se não lhe accudisse Cláudio Lysias, tribuno ou com- mandante da cohorte romana, ^ o qual com o auxilio da força armada pôde arrancá-lo das mãos d'aquelles fanáticos, e encerrá-lo na cidadella Antónia.
O tribuno, para esclarecer este caso embrulhado, fez reunir o Synédrio e comparecer ali S. Paulo.
Perante este alto tribunal, presidido pelo summo sacerdote Ananias i, filho de Nebedeu, que exerceu o pontificado desde o anno 47 a Õ9, e na presença do tribuno que assistiu, S. Paulo desviou habilmente a questão para evitar a sentença de morte. Levantou-se grande tumulto no tribunal entre Sadduceus e Pha- riseus, a cujo ultimo grupo S. Paulo disse pertencer.
bidas alcoólicas, e decorrido o tempo do na/irato ir ao Templo rapar a cabeça e offerecer as victimas. * Mil homens.
26 INTRODUCÇÃO
Em presença disto o tribuno resolveu mandar de novo S. Paulo escoltado por uma grande força militar para a cidadella Antónia.
O ódio dos fanáticos não desarmou.
Formou-se um complot para o matar.
Prevenido a tempo, o tribuno fez conduzir S. Paulo para Cesárea, residência do governador Félix.
O snnimo sacerdote Auauias com uma deputação do Synédrio, seguida de TertuUo. judeu versado no direito romano, apresentou ao governador a queixa contra S. Paulo.
Resumindo, declararam que o crime era religioso, e portanto da competência do Synédrio, para onde o accusado devia ser remettido, e que este tribunal fa- ria promptameute justiça.
S. Paulo defendeu-se com muito talento, e o go- vernador resolveu nada decidir sem ouvir o tribuno Lysias.
Assim esteve a questão insolúvel durante dois annos; porque a alma venal de Félix esperava que S. Paulo comprasse a sua liberdade á custa de di- nheiro. ^
No anno 60 Félix foi deposto, succedendo-lhe no governo Festo, magistrado honesto e justiceiro.
Uma deputação dos judeus renovou as accusações contra S. Paulo deante de Festo, que fez comparecer no seu tribunal o accusado e accusadores.
* Vigouroux, Man. Bihl.^ iv, pp. 153.
INTRODUCÇÃO 27
S. Paulo defendeu-se admiravelmente; mas Festo, querendo conciliar a sua consciência de juiz com as exigências da politica, propôs-lhe fazê-lo conduzir a Jerusalém, para ser julgado pelo Synédrio debaixo da sua inspecção.
S. Paulo, homem esperto, conhecia a sorte que lhe reservava o tribunal judeu, e por isso, na sua qualidade de cidadão romano, titulo que havia her- dado de seu pae, interpôs recurso para César, e esse César era Nero.
Festo, ouvido o seu conselho privativo, acceitou a appellação.
D'ahi a remessa, sob prisão, de S. Paulo, de Ce- sárea para Roma, o qual foi obsequiosamente acom- panhado por dois discípulos, S. Lucas e Aristarco, commandando a força militar Júlio, centurião da co- horte Augusta.
E' claro que os judeus se encheram de fúria e raiva pela forma por que S. Paulo se lhes escapou -das mãos, e juraram vingar-se na primeira opportu- uidade.
No anno 62 falleceu Festo, e antes da chegada de Albino, seu successor, Ananias ii, filho de Annaz, summo sacerdote, homem feroz e audacioso, aprovei- tou este intervallo para perseguir os christãos de Je- rusalém; por isso, além d'outros, entregou S. Thiago, o Menor, bispo d'esta cidade, á plebe amotinada e desenfreada, que deu uma morte barbara ao santo prelado, no mesmo dia da Paschoa, precipitando-o da galeria do Templo e acabando-o depois na queda. A impressão produzida foi de tal ordem que o historia-
28 INTRODUCÇÃO
dor Flávio Josepho ^ considera a perda da nação e a destruição da cidade no anno de 70 merecidos casti- gos por aquelle revoltante crime!
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A viagem de S. Paulo a Roma, que S. Lucas conta com exactidão precisa, foi tormentosa.
Depois d'um naufrágio desembarcou em Pozzoles, na Campania, d'onde se dirigiu immediatameute para a capital. Seguiu a Via Appia e entrou na cidade pela porta Capéua.
Ali foi tratado com algumas deferências, pois es- teve durante dois annos n'uma casa particular que lhe servia como de prisão, e onde lhe deixaram certa liberdade.
No fim d'aquelle tempo o Apostolo foi julgado e absolvido no tribunal de Nero. *
N^esta altura, anno 63, veio S. Paulo á Espanha em missão apostólica, cujo estudo farei no primeiro capitulo d'este despretencioso trabalho, que se inscre- verá : Do estabelecimento do Christiariismo na Penín- sula Hispânica até á paz da Igreja ; no segundo ca- pitulo versarei as Tradições da Igreja de Braga sobre o seu primeiro bispo ; no terceiro tratarei de A villa de Rates^ s?(a Igreja e seu Mosteiro, comendadores e comendadeiras ; e no quarto, finalmente, occupar- me-hei do Julgado, concelho e senhorio de Rates.
^ Antiguit. juâ., 1. XX, C. 8.
^ Marucchi, Man. d'Arch. Chrét, pag. 6.
CAPITULO 1
Do estabelecimento do Christianísmo na Península Hispânica até á paz da Igreja
A historia da Igreja christã na Peninsula Hispâ- nica até Constantino Magno, objecto doeste capitulo e thema d'este estudo, está envolvida em profunda obscu- ridade.
Os documentos d'esta época e d'este país são pou- cos e demasiadamente breves.
Pode dizer-se que as fontes ordinárias de informa- ção para os tempos primitivos do Christianismo nem mesmo estão representadas.
Xão ha nenhuma inscvipç^ão positivamente christã/ e os martyres authenticos não vão além do meado do terceiro século.
Mais: tendo a Espanha uma litteratura synodal importante, comtudo o seu primeiro concilio conhe- cido é o de Elvira (Granada), que data do anno 300 pouco mais ou menos.
^ Um único mármore é que pôde dar legar a algumas duvidas, diz Leclercq, na sua Espagne Chrétienne, pag. 13.
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II aií ÍHn , IV, 17.
Tinha uma população de (JOO.OOO almas. Hom., \v, 24-28.
30 ORIGENS DO CHRISTIANISMO
Sob o ponto de vista monumental é também extre- ma a penaria. N'uma época em que as construcções imperiaes se multiplicaram em grande numero e de que a Península conserva ainda vestígios notáveis, como : aqueductos, pontes, estradas, lapides, moedas, etc. etc, em contraste, o inventario dos monumentos christãos contemporâneos do domínio romano está re- duzido a alguns textos. O concilio de Elvira menciona a existência de igrejas, cemitérios e pinturas, ^ mas naturalmente foram substituídos nns na dominação visigothica, e destruídos outros pelos árabes. Dir-se-hia que a Igreja de Espanha quis durante este longo pe- ríodo furtar-se svstematicamente á historia.
É pouco provável que as descobertas dos archivos e bibliothecas e as excavações ou explorações archeo- logicas venham um dia, se se fizerem, a modificar pro- fundamente os pontos até hoje adquiridos pela histo- ria do Christianismo na Península.
Não ha, porém, duvida de que com esses poucos elementos verídicos pode ainda assim construir-se uma calçada histórica de percurso monótono, é certo, mas seguro; todavia seria iliudír os leitores prometter-lhes uma historia das Origens christãs na Península dif- fereute d'aquel]a que já conhecem, e a razão está na insignificância da archeologia monumental christã e em a nulla importância da epigraphia, embora larga- mente representada, como disse, para a historia geral do país.
Cânones 21, 29, 34, 3õ e 36.
NA PESINSULA. HISPÂNICA 31
Rediizir-se-ha, pois, a um breve resumo a historia d'este periodo, que será também no fundo a historia d'uma mediocridade, por não haver acontecimentos Dotáveis a relatar.
No anno 63 S. Paulo, livre das suas cadeias, li- bera tus de ore íeonis, fez a viagem á Espanha, com o fim certamente de completar a missão, que havia i^ecebido, de pregar o Evangelho a todos os gentios. ^
Esta viagem marca o apogeu da sua carreira, de- pois da qual o Apostolo poderia terminar os seus tra- balhos; porque a palavra de Deus tinha chegado ás columnas de Hercules, limite do Império romano e do mundo conhecido.
S. Paulo não veio á Espanha de arribada ou por uma d*estas contingências da sorte immanentes á fa- talidade das coisas.
S. Paulo projectou e calculou a frio e deliberada- mente esta viagem.
No anno 58, de Corintho, - a maior cidade da Grécia, a mais rica e luxuosa, onde o Apostolo esteve na terceira excursão durante três meses em casa do seu discípulo Caio, escreveu elle a epistola aos chris- tãos de Roma, ^ onde lhes disse entre outras coisas textualmente o seguinte: «quando estiver a caminho de Espanha, espero não só vêr-vos de passagem, mas também que me acompanhareis até áquelle país, de-
1 II ad Tim , IV, 17.
* Tinha uma população de 600.000 almas.
3 Rom., XV, 24-28.
32 OEIGENS DO CHRISTIANISMO
pois de ter gozado algum tempo da vossa companhia.! A seguir accresceuta: «irei á Espanha depois de ter passado pela cidade de Koma.»
Por estas palavras parece que Roma não offerecia a S. Paulo nada de seduetor nem de encantador; á parte alguns amigos que elle desejava visitar, a sua intenção era demorar-se ali o menos possivel, para não retardar a sua viagem á Espanha, cuja oppor- tunidade aguardava com impaciência.
A Espanha rivalizava em gloria com a Itália.
A civilização havia feito taes progressos na Pe- nínsula, que esta era considerada das mais cultas do Império.
E' certo que a Itália tinha grandes reputações lit- terarias, como: Cicero, Yergilio, Horácio e Tito Lí- vio: mas a Espanha tinha rhetoricos, philosophos, litteratos e poetas, como: os dois Senecas, pae e filho, o rhetorico e o philosopho, Lucano, Marcial e Silío Itálico, poetas d'uma alta inspiração, Columella, es- criptor de nomeada, o eminente professor Quintiliano, •e Porcio Latrão, mestre d'Ovidio e de Augusto.
Já Horácio nas suas Odes chamava douto ao hes- panhol:
. . . me ])eritus Discet Iber...
S. Paulo era um homem talentoso e illustrado; por isso um país com estas figuras nas sciencias e nas lettras certamente o attraía, a ponto que teve de desviar-se da regra inalterável de começar a fundaçã<o das suas igrejas pela pregação nas synagogas; porque
NA península hispânica 3B
a emigração judaica nesta altura ainda se não tinha feito na Espanha. ^
Não ha, pois, duvidas sobre o projecto da viagem dQ S. Paulo á Espanha.
Executá-lo-ia porém ?
A esta pergunta responde afirmativamente um considerável numero de escriptores. ^
Dois muitíssimo antigos a indicam logo, no pri- meiro século um, e outro no segundo.
S. Clemente papa, cerca do anno 96, escreveu a sua primeira epistola aos Corinthios, d'uma authenti- cidade incontestável.
S. Clemente, companheiro e collaborador de S. Paulo, diz na mencionada epistola o seguinte: «Paulo, tendo sido o araato da verdade no Oriente e no Occi- dente, recebeu a recompensa da sua fé e ensinou a justiça ao universo inteiro; chegado ao termo do Occidente e tendo padecido o martvrio sob os prínci- pes, saiu enfim do mundo e foi para o logar santo.» ^
Qual é o termo do Occidente que tocou S. Paulo antes do seu raartyrio?
A expressão é assaz característica para que dê lo- gar a duvidas.
Oams, sábio escriptor, que estudou o problema cgra muito cuidado, '* demonstra pelo testemunho de au- ctores profanos e sagrados que em toda a antiguidade
1 Leclercq, UEspagne Chrêtienne, pag. 16.
2 Vigouroux, Dict. de la Bible, vb. Espagne. ' Clemente, i ad Corinth^ v.
^ Vigouroux, ibid.
ORIGENS DO CHBISTIA>'ISMO
34 ORIGENS DO CHEISTIANTSMO
O termo Occidente ou a ultima Hesperia designam sempre e exclusivamente a Espanha.
Xem, na verdade, se pode adraittir que S. Clemente applicasse a Roma uma expressão que servia com- mummente para designar a Espanha.
O Canon de Muratori^ que é uma auctoridade importante, porque exprime a opinião da Igreja ro- mana no anuo 170, affirma também a realidade das viagens de S. Paulo á Espanha.
O Canon j chamado de Muratori, porque foi en- contrado por este bibliotbecario na Bibliotheca am- brosiana de Milão no anno de 1740, é um Fragmento manuscripto que contém o cânon dos livros santos, e cuja redacção se colloca no meado do segundo século.
Este Cano?i, reportando-se aos Actos dos Após- tolos, diz que « S. Lucas contou ao excellente Theo- pkilo'^ os factos de que tinha sido testemunha ocular, como o demonstra com evidencia omittindo a paixão de Pedro e também a partida de S. Paulo para a Espanha : « profectionem Pauli ah Urbe ^ ad Spa- niam proficiscentis. »
Como vêem os leitores, o facto desta viagem está aqui expressamente affirmado.
A partir de Santo Athanasio, do quarto século, muitos Padres affirmam o mesmo, isto é, são em fa- vor da realisação doesta viagem.
Para não fatigar os leitores, citarei apenas o tes-
1 Personagem fielicio.
2 Cf. Tregelles, Canon Murutorianus, in-4.°, Oxford, 1867, pag. 40-41.
NA península hispânica B5
temuuho de S. Jerouymo (331-420), que escreveu que o Apostolo se dirigiu á Espanha por mar, ad Hispaniam alieiiigenarum portatus est 7iavibiis. ^
A viagem maritima, muito mais rápida do que a terrestre,^ está em harmonia com o temperamento im- paciente de S. Paulo.
Plinio diz que de Ostia a Tarragona se gastavam quatro dias, e a Cadiz sete. ^
Nesta missão de S. Paulo na Espanha ha, porém, dois pontos escuros e que o serão talvez para sempre : o itinerário percorrido e a sua duração.
O Padre Flores, na sua Hespanha Sagrada, ^ quer que S. Paulo pregasse o Christianismo em Tarragona, de collaboração com outro Paulo ( Sérgio Paulo, ex- proconsul de Chypre), instituído por elle bispo de Narbonua, França, e em Tortosa, na Catalunha, onde deixara Rufo, seu discípulo, como primeiro bispo.
Leclercq, na sua Espagne Chrétienne^* inclina-se a que S. Paulo desembarcaria em Cadiz, e que a evangelização da Península deveria começar pela re- gião limitrophe da Tarraconense e da Betica, fixando aqui o Apostolo o seu campo de actividade.
O que é certo é que nenhuma das estações, diz Leclercq, ^ onde S. Paulo poderia ter fundado Igre- jas, nos é conhecida; e, se essas Igrejas existiram,
1 Tn cap. XI Isaiae.
2 Hist. Nat., XIX, 1 ,
3 Tomo III, pag. 23 e segs. -* Pag. 80.
^ Ibidem, p. 29.
36 ORIGENS DO CHRISTIANISMO
ignora-se o tratamento que tiveram na perseguição de Nero.
Realmente do tempo d'este imperador cita-se uma inscripção commemorativa encontrada em Marquesia (Maravesar) na Lusitânia, na qual se honra Nero por ter «limpado a provinda dos ladrões e d'aquêlles que pregavam ao género humano uma seita nova». ^
Hoje está apurado que esta inscripção é d'uma in- signe falsidade; provavelmente forjada pelo celebre Pirro Ligorio, ou por algum da sua escola, no século XVI ou xviT, o qual fabricou um grande numero de inscripções reunidas no Co?yiis inscriptionum latina- rum e conhecidas pelo nome de Pestis ligoriana.^
O Martyrologio romano, a lõ de maio, fornece uma indicação relativa ao christianismo nesta época.
Refere que de Roma viera á Espanha uma missão de sete bispos enviada por S. Pedro, os quaes foram Torqiiato^ que parece ser o chefe, e fundou a Igreja de Guadix na provincia de Granada; Secundo, que fundou a de Ávila, na Castella Yelha; Indalecio, a de Almeria, na Granada ; Cecilio^ a de Elvira ( hoje Gra- nada) na provincia do mesmo nome; Isicio^ a de Ca- sorla, na Andaluzia; Eufrasio, a de Andujar, na mes- ma Andaluzia; e Ctesiphonte^ a de Berja, na Granada.
É baseado nesta indicação martyrologica que Le- clercq apresenta o alvitre de que o Christianismo po-
1 Corpus insc. lat., t. in, p. 25, n.» ^Sl. — Net^oni Cl. Cães. Âug. Pont. Max. oh provinciam laíronihus et his qui novam yeneri humano super stilionem mculcabanl, purgatam.
2 Marucchi, Man, d'Ârch, Chrét., p. 12.
NA península hispânica 37
deria ter começado na região limitrophe da Tarraco- nense e Betica; e, coincidência notável, fui aqui, em Elvira (Granada), que se reuniu o primeiro concilio de Espanha, que demais teve por presidente o bispo de Guadix. ^ É isto apenas o que se sabe da Igreja christã da Peninsula no primeiro século !
No fim do segundo século eucontra-se uma allusão ás Igrejas de Espanha : Santo Ireneu, ^ bispo de Lyon, França, invoca contra os gnósticos e attesta que a doutrina christã é professada na Espanha e ali se transmitte intacta, assim como na Gallia, Ger- mânia, Egypto e Oriente.
No principio do terceiro século Tertulliano ^ enu- mera a Espanha como um dos paizes, onde a fé christã triumpha; pois que está espalhada por todas as suas fronteiras.
Este ultimo texto não deixa duvidas sobre a ex- pansão silenciosa do Christiauismo em Espanha du- rante os dois primeiros séculos; mas são affirmações de caracter genérico, não ha factos concretos, nada se sabe das perseguições de Domiciano, Trajano, Marco Aurélio, Septimio Severo e Maximino; para se encon- trar o primeiro episodio da historia religiosa na Pe- ninsula é necessário esperar pelo meado do terceiro século.
1 É necessário não confundir Guadix com Cadiz: aquella cidade fica na provinda de Granada e esta na de Andahizia.
2 Adv. Haereses, i, 10.
3 Adv. Judaeos, 7.
38 ORIGENS DO CHRISTIANISMO
Esse episodio, aliás bem triste, 6 referido á perse- guição de Decio no aano 250.^
Este imperador, apologista das tradições romanas, entendeu, por isso, dever perseguir os christãos.
Publicou um edicto, em que determinava que to- dos os christãos sem distincção de classe, sexo ou edade, deviam apresentar-se deante da auctoridade lo- cal para renegarem a sua fé; de contrario, os magis- trados tinham ordem de os procurar officiosamente e de os obrigar por todos os meios á abjuração.
A pena de exilio ou de morte e de confiscação de bens devia ferir aquelles a quem a tortura não pu- desse arrancar um acío de apostasia.
Como o numero dos christãos era considerável, pois que constituíam um terço da população do im- pério, para proceder com methodo a policia organizou listas de todos os christãos averiguados ou suspeitos.
Em dia determinado cada um devia responder á chamada do seu nome e sacrificar aos deuses, rece- bendo os que annuiam uma cédula passada pelo ma- gistrado, espécie de certificado do acto do sacrific.io, a qual eram depois obrigados a apresentar.
Aquelles que recusavam o acto de idolatria ou não mostravam a cédula, se fugissem, confiscavam-lhes os beiís, e os restantes eram condemuados á morte ou ao exilio.
^ Conta-o S. Cypriano na Epistola 68 dirigida a Felici presbytero et plebihiis consistenlibus ad Legionem et Âaturicaef item Lélio diácono, et plebi Emeritae consistentibas fratribus. Hespanlia Sagrada, t. iv, p. 271.
NA península, hispânica 39
A maior parte dos christãos ficaram fieis ; mas a multidão dos apóstatas foi immeusa, sobretudo em Carthago, na Africa.
Decio procedeu uesta perseguição com calculo ou com delicadeza.
Repugnava-lhe, é certo, empobrecer o Império, privaudo-o do valor que os christãos pelo seu grande numero representavam sob o ponto de vista económi- co, por conseguinte procurou pelos seus agentes im- pellir os christãos para a apostasia de preferencia ao martyrio.
A apostasia tinha graus.
Uns cediam á tortura, outros á simples ameaça.
Os christãos fracos não succumbiram todos do mesmo modo. Os que obtiveram a cédula ou certifi- cado libeUus, charaavam-se, por isso, UbcUaticos, di- vididos em thurificati se tinham offertado incenso, e sacrificati se oíFereceram victimas.
Houve outra classe de Ubellaticos, a d'aquelles que compraram uma attestação de que tinham sacrifi- cado aos deuses, quando realmente o não haviam feito.
Leclercq ^ diz que o numero dos christãos e ma- gistrados, que se entregavam a este trafico da compra e venda das cédulas falsas, não fora pequeno.
Todos estes apóstatas foram designados com o nome commum de lapsos, e, p que é certo ó que pas- sada a tormenta da perseguição, uns e outros pediram a suM readmissão na Igreja.
L'Espagne Chrèliemie, pag. 50.
40 ORIGENS DO CHRISTIANISMO
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Na Península também houve libellaticos, e entre elles dois bispos: Basilides, de Leon-Astorga, e Mar- cial, de Mérida, capital da Lusitânia.
Basilides provavelmente não era mais do que um poltrão; mas vendo que o seu acto escandalizara os fieis e que a murmuração entre elles era grande, esta importância dada ao caso fê-lo sair do seu tempera- mento, e obstinou-se, quer dizer, sacrificou aos Ído- los;^ quanto a Marcial, esse era um desgraçado, além de covarde, era dissoluto. Dois miseráveis!
Basilides, além da sua apostasia, foi convencido de blasphemo, e Marcial era societário dé corporações pagãs, cujos vergonhosos e degradantes banquetes frequentava, chegando até a enterrar os filhos nos ce- mitérios d'essas corporações, infracção grave da dis- ciplina christã. 2
Estes dois tristes personagens, em logar de se re- tirarem a uma vida occulta, acalmada a perseguição, aproveitando a perturbação d'ella resultante, retoma- ram o governo das suas Igrejas.
Os fieis da Península, que acima de tudo queriam bispos honestos, não concordaram e reclamaram para Koma e para Carthago. ^
1 Marucchi, Man. d'Ârch. Chrét., p. 31.
2 S. Cypriano, Epist. lxviii.
3 Além de S. Cypriano, bispo de Carthago, ter uma situação brilhante entre os catholicos, nesta cidade dois concílios haviam já tratado da questão dos lapsos, interdi- tando o sacerdócio aos apóstatas, e as suas resoluções fo- ram approvadas pelo papa S. Cornelio.
NA península HISPA>'ICA 41
A decisão em Roma ia-se protelando pelas artima- nhas de Basílides, que conseguiu enganar o papa Es- tevão I, até que dois bispos hespanhoes Félix e Sabino^ munidos da procuração do seu collega Félix, de Sara- gossa, tomaram o expediente de se dirigir a Carthago, e, com o episcopado africano, ^ reunidos em concilio no anno 254, deposeram Basílides e Marcial.
Este episodio daria uma desagradável ideia do es- tado das igrejas na Península no meado do sécula terceiro, se o martyrio de São Fructuoso, bispo de Tarragona e o dos seus diáconos Augúrio e Eulogio, que o Martyrologio romano commemora a 21 de ja- neiro, não viesse mostrar que entre os christãos da Península havia almas heróicas, dignas dos mais bellos tempos do Cbristianismo.
As actas destes martyres são em rigor o primeira documento da Igreja de Espanha, e por isso dignas de registo.
Estes martyres foram victimas da perseguição de Valeriano e attingidos pelo edicto do anno 2õ8.
Valeriano seguiu na perseguição contra os chris- tãos uma táctica diíferente d*a de Decio; em vez de atacar os fieis e de exigir delles um acto de abjuração, investiu contra os membros do clero, ferindo por isso a cabeça da Igreja.
Entre os bispos ameaçados o de Tarragona nãa podia escapar.
Tarragona era uma grande cidade florescente, com
Trinta e sete bispos nomeados na cit. Epist. 68.
42 ORIGENS DO CHRISTIANISMO
uma população extremamente devotada ás leis, aos costumes e aos deuses do Império; e embora S. Fru- ctuoso fosse estimado também dos pagãos, o que é certo é que no momento da perseguição o abandona- ram.
Preso e obrigado a comparecer no tribunal S. Fru- ctuoso foi condemnado com os seus dois diáconos Au- gúrio e Eulogio á pena do rivícomburíum, isto 6, a serem queimados vivos.
Estas três victimas illustres soffreram o martyrio com tal heroicidade que a sua grandeza moral im- pressionou profundamente os assistentes.
Xo principio do iv século o espirito primitivo ti- nha enfraquecido profundamente nos christãos de Es- panha, e os cânones do concilio, composto de dezanove bispos reunidos em Elvira (Granada) pelo anno 300, mostram-nos o estado das Igrejas da Peninsula, n'a- quella época.
Este concilio, anterior á perseguição de Diocle- ciano, é o mais antigo concilio de que nos restam cânones disciplinares; e por isso é d'uma importância capital para o estudo da sociedade christã na véspera da ultima perseguição.
Se a enumeração das faltas graves, que afligiam a sociedade christã, é longa, os cânones disciplinares d'este concilio, procurando reprimi-las severamente, attestam não só a alta moralidade dos bispos, mas também que os prevaricadores eram uma minoria; pois não encontraram apoio nem na opinião nem nos costumes.
Da Lusitânia assistiram três bispos : o de Merida,
XA península hispânica -43
capital da província, o de Faro ^ e o de Évora ; da Galliza esteve o de Leon, uma das cidades prinoipaes; da Tarraconense, o de Saragossa, a cidade mais im- portante depois da capital Tarra^^ona, que se não fez representar; os restantes bispos eram oito da Carthct- ginense e seis da Betica.
Quanto á hierarchia ecclesiastica da Peninsula ha apenas uma indicação no canou Õ8, que prescreve aos fieis munidos de cartas de recomendação, fazê-las Tisar pelo primas da provincia, cuja sede tinha o ti- tulo de prima cathedra.
Cada provincia ecclesiastica teria, pois, por primaz o prelado mais antigo no episcopado.
Pouco tempo depois d'este concilio, Diocleciano no anno 303 publicou dois edictos de perseguição contra os christãos, que tiveram execução rigorosa em todos os estados de Maximiano Hercules.
Pérez, na sua Historia cVHespanha, cita uma iuscripção encontrada em Clunia (Corunha dei Conde) ua Tarraconense, a qual relata: <a ruioa geral da seita dos christãos e a expansão do culto dos deuses, mais claro, a destruição do Christianismo sob Diocle- ciano»; mas está hoje plenamente demonstrado que esta inscripção 6 apocrypha. ^
1 Ossonoba.
2 Corpus inscr. lat., t. ii, n.os 233, 234. 236,= !.* Diocletianus Jovius et Maximian. Herculem Caess. Augg. am- plificato per orientem et occidentem imp. rotn. et fiomine christianorum deleto qui rempubl. eoertehant.= '2.^ Diocletian. Cães. Aug. Galerio ia oriente adopt. superstitione Christ. ubi-
44 OEIQENS DO CHRISTIANISMO
Outros documentos, d'um valor muito differente^ ensinum-nos aliás o que foi esta perseguição na Pe- nínsula.
A execução dos edictos foi confiada a um d'estes magistrados ferozes, cujo nome ficou inolvidável, Da- ciano; mas que somente é conhecido pelas indicações martyrologicas.
Parece que Daciano era um commissario especial adrede nomeado para a applicação dos edictos; porque se nos mostra exercendo jurisdicção ou alçada em to- das as províncias de Espanha.
Daciano percorre, a partir do anno 303. a Penín- sula, fazendo encarcerar todos os bispos, presbyteros, diáconos e clérigos. Osio, bispo de Córdova, que esteve no concilio de Elvira e que mais tarde ao lado de Cons- tantino Magno desempenhara um papel preponderante na Igreja, confessou a fé com uma intrepidez louvada por todos os escriptores contemporâneos.
É claro que o numero dos martyres nesta perse- guição em Espanha foi enorme. ^
Citarei apenas alguns da Lusitânia e um de Braga, na Galliza.
Nesta cidade o Martyrologio romano a 12 de abril menciona S. Victor martyr: Bracari in Lusitânia sancti Victoris jnartijrls, cujas relíquias foram tras- ladadas clandestinamente da igreja parochial de S.
que delela et cultu deorum propagato. Ambas estas variantes são falsas.
1 Prudencio, Peri Stephanôn.
NA península hispânica 45
Yictor de Braga para Compostella pelo seu arcebispo D. Diogo Gelmires, no anno 1102. ^
Xo Martjrologio romano a 1 de outubro faz-se cora- memoração dos martjres de Lisboa, Yerissimo e suas irmãs Máxima e Júlia: ^ Ulissipone in Lusitânia san- ctorum martyrum Yerissimi, Maximae et Jidiae sororum ejus, qiii in persecidione Diocletiani passi simt.
A 10 de dezembro o mesmo Martyrologio recorda o passamento em Merida, capital da Lusitânia, de Santa Eulália, uma das mais notáveis victimas doesta perseguição.
Era uma joven de doze annos; foi-lhe applicada a pena do vivicomhurium^ isto é, queimarara-na viva.
Em 305 houve uma substituição no pessoal da tetrarchia imperial. Diocleciano e Maximiano abdica- ram. Galerio e Constâncio tomaram o logar de Augus- tos. Maximino Daia e Severo foram proclamados Cé- sares.
Esta mudança de pessoas no collegio imperial provocou, é evidente, uma modificação nos estados de cada um.
Constâncio recebeu a supremacia no Oriente e ajuntou a Espanha ás províncias precedentemente go-
^ Hist. Corupost., 1. I, cap. 15, e Hc:'ponha Sagrada, t. XV, pgs. ^70 e 271,
2 Padroeiros da Igreja de Santos-o- Velho; mas as suas relitiiiias esião em Santos-o-Novo, para onde foram trans- portadas em 5 de setembro de 1490 por ordem d'el-iei D. João II.
46 ORIGENS DO CHaiSTIANISMO
vernadas por elle. Com esta transição do governo para as mãos d'um soberano tolerante, a situação das Igre- jas da Península melhorou rapidamente.
Os rigores exercidos por Daciano e outros magis- trados cessaram em absoluto.
Como nota interessante sobre as sentenças condem- natorias dos martyres, convém recordar as palavras de Le Blant no seu notável estudo sobre o assumpto.
Este illustre escriptor consigna que o direito cri- minal dos romanos estabelecia o recurso ou appel- lacão das sentenças; mas que á coragem dos martyres se deve attribuir a ausência de todo o recurso nos seus julgamentos.
E curioso que o martyr na presença do juiz não pensou nunca em applacá-lo; jamais lançou mão d'uma scena de lucto para emocionar os corações; conservou até á ultima hora o rosto sereno e um aspecto ra- diante.
Nenhum texto menciona o recurso d'um martyr, mesmo para obter uma morte mais suave.
Uma só vez a palavra «appello» se encontra na bocca d'um martyr. Foi S. Komano que recorreu, não para a justiça dos homens, mas para Christo, que o vê e julga, como vê e julga as próprias justiças. ^
Todavia este repouso da Espanha no governo to- lerante de Constâncio Chloro poderia ter sido uma espécie de moratória, e não era a primeira vez que os christãos passavam por estas alternativas.
1 Marucchi, Man. d'Arch. Chrét,, p. 43.
NA península hispânica 47
o edicto de Milão promulgado por Constantino Magno em 313 veio, porem, dar ás Igrejas um cara- cter de estabilidade que até ahi não tinham ; pois que Iher. foi reconhecida a sua existência legal.
Do que se passou na sociedade christã em Espa- nha, desde o anno de 30õ até 313, nada se sabe.
Alguns bispos, que assistiram ao concilio de Elvi- ra, ainda viviam.
Um d^elles, Osio, bispo de Córdova, elle só, resume durante meio século a historia da Igreja da Península hispânica.
Osio era então um homem de cincoenta annos ; nascido em 2õ6, recebeu a ordenação episcopal em 29Õ e falleceu em 357 com 101 annos de edade.
Nada se sabe d'elle até ao concilio de Elvira.
Na perseguição immediata, como vimos, teve oc- casião de confessar a fé, e as cicatrizes do seu corpo attestavam o que havia sofPrido, por isso mostrava-as gloriosamente aos seus collegas reunidos em Niceia. ^
Em 313 encontrámo-lo em Milão, fazendo parte da entourage de Constantino Magno, que o estimava im- mensamente.
Foi uma espécie de director de consciência e con- selheiro intimo do imperador no período de 313 até 32Õ ; a elle se deve attribuir a orientação do governo imperial nos assumptos religiosos.
E possível também que Osio tivesse uma parte importante na conversão de Constantino Magno.
Os factos conhecidos auctorizam esta opinião.
1 Presidiu ao concilio como legado do papa S. Silvestre.
48 ORIGENS DO CHRISTIANISMO
Esta ascendência de Osio, diz Leclercq, exerceu-se no sentido da união do Estado e da Igreja para o maior proveito do Estado. ^
O que é fora de duvida é que a situação prepon- derante de Osio na Igreja devia exercer uma influencia profunda sobre o desenvolvimento do christianismo na Peninsula.
Concluindo, pelo que fica escripto vê-se que o christianismo não se expandiu na Peninsula d'uma maneira regular, nem ha fundamento para julgar que ^ divisão ecclesiastica fosse decalcada na divisão po- litica, e até mesmo não se sabe se o progresso da Igreja de Espanha, neste periodo, justificava uma ten- tativa de circumscripção ecclesiastica. •
Apesar de tudo quanto sobre este assumpto está publicado, a data das creações das sés episcopaes e a hierarchia que mantiveram entre si, são pontos obscu- ros e que o ficarão ainda por muito tempo.
Se procurarmos estabelecer o estado da Espanha ecclesiastica antes do anno 313, data do edicto de Mi- lão e termo do nosso estudo, chegaremos a estes re- sultados: no anno 254 estavam instituídas as dioceses de Leon — Astorga, Merida e Saragossa, e mais duas outras, cujos nomes se ignoram ; ^ no anno 300 é pre-
* L'Espagne Chrétienne, p. xxxi.
2 Flores, na sua Heapanlia Sagrada, t. XIJI, p. 137 e segs., entende que Sabino e Félix, emissários das Igrejas de Leon — Astorga e Merida perante S.Cypriano na questão dos bispos libellalicos, foram, respectivamente, os seus succes- sores n'aquellas duas sés.
NA península hispânica 49
ciso accresceutar áquellas dioceses mais as seguintes : Guadix, Córdova, Sevilha, Martos, Cabra, Calzona, Mentesa, Elvira, Urci, Toledo, Salavia, Faro, Évora, Lorca, Baza e Málaga, cujos prelados assistiram ao coucilio de Elvira ; em 3l4, uo concilio de Aries, na GalliaXarbonense, estiveram quatro bispos hespanhoes: o de Tarragona, Urso, Betica e Barcelona, que, ad- diccionados á lista anterior, perfazem um total de vinte e cinco dioceses, cuja existência histórica se prova documentalmente.
E a diocese de Braga, que até aqui não apparece mencionada nos documentos, já existiria ?
E o que vamos estudar no capitulo seguinte.
CAPITULO II
Tradições da diocese ds Braga
sobre o seu primeiro bisDO • ■
Para proceder com methodo no exame das tradi- ções da Igreja de Braga sobre o seu primeiro bispo, que se diz consagrado pelo monumental templo de S. Pedro de Rates, do concelho da Povoa de Varzim, con- vém formular a seguinte pergunta, que será o ponto ba- silar ou fundamental doeste estudo: quem é o S. Pedro, orago da igreja de Rates? Mais claro: havendo no Martyrológio romano quarenta e quatro santos inscri-
ORIGENS.DO CHB18XIANISMO
60 ORIGENS DO CHRISTIANISMO
ptos com O nome de Pedro, qnal d'estes é o patrono da freguezia de Rates? Mais restrictamente : o S. Pe- dro, padroeiro da igreja de Eates, ó o S. Pedro Apos- tolo, ou o S. Pedro Martyr, primeiro bispo de Braga?
A respeito da igreja de S. Pedro de Rates não ha documentos anteriores ao fim do século xi.
O concilio de Braga s?ib Pancracdano, ^ attribuido ao principio do século v, refere-se, é certo, ás reli- quias de S. Pedro de Rates, discípulo de S. Thiago, primeiro bispo de Braga, as quaes era necessário acautelar da invasão dos bárbaros ; mas as actas d'este concilio, incluindo o bispo Pancracio, são uma burla forjada no cartório de Alcobaça no fim do século xvi e publicada por Fr. Bernardo de Brito no principio do século XVII. ^
Fr. Leão de Santo Thoraaz, ^ para demonstrar a alta antiguidade do mosteiro de Rates, affirma que Estevão, abbade deste mosteiro, assistira ao iii conci lio de Toledo nos fins do século vi e assignára as res- pectivas actas; porem uma leitura attenta d'estes do- cumentos nas CoIIecções dos Co7icilios de Espanha^ convence logo de que tal asserção é inexacta, e de que o chronista benedictino fora enganado, pois que tal nome não se encontra entre os subscriptores do referido concilio.
Quanto ao Santo Estevão, abbade de Rates, que o
1 Memorias do P.e Argote, i, pag. 746.
2 Hespanha Sagrada, t. xv, pag. 193 e segs.
3 Benediciina Lusitana, t. i, pag, 423. * Loaisa, etc.
NA PENÍNSULA HISPÂNICA 51
breviário bracarense de D. Rodrigo de Moura TeJles, de 1724, commemora a 13 de fevereiro, esse não passa d'nma phantasia do Padre Higuera, auctor dos falsos chronicões^ base da infeliz reforma do breviário pro- movida por aquelle aliás douto prelado.
Este Santo Estevão, abbade, louvado pelo papa S. Gregório (530-604), é de Reate^ antiga cidade dos Sabinos, hoje Riete, na Ombria, Itália, conforme se lê no Martjrologio romano no mencionado dia 13 de fevereiro.
Continuando na mesma ordem de ideias, Frei Leão de Santo Thomaz cita, por conta do seu coUega Fr. João do Apocalypse, um capitulo da Visitação do anuo 1113 deixado pelo visitador do Ordinário Gon- çalo Annes, em que ordenava a Jorge da Povoa^ cura do mosteiro de Rates, que enterrasse uma ucha ou cofre de relíquias falsas, com que neste mosteiro se explorava a caridade dos fieis, e accrescenta que no referido cofre estava escripto que Pedro^ abbade de S. Bento, o fizera no anno 676 de Christo.
De modo que, na opinião do chronista, as relí- quias eram falsas, e a inscripção essa era verdadeira!
Mas, ainda mesmo que assim fosse, a inscripção só demonstrava que n'aquelle anno existiu um abbade da Ordem benedictina chamado Pedro, porém de mos- teiro desconhecido.
E curioso que uma das relíquias que menciona o referido capitulo da Visita era de S. Pedro, o que dá margem a este reparo: se em Rates estavam as relí- quias authenticas de S. Pedro, martyr, primeiro bispo bracarense, cuja trasladação ou remoção para um tu-
52 OBIGENS DO CHRISTIANISMO
mulo decente ordenou em 1152 a rainha D. Mafalda, como affirma D. Nicolau de Santa Maria, ^ porque motivo não tinham os frades uma d'essas relíquias na ucha, que por ser um embuste o visitador mandou enterrar?
Commentem os leitores.
Os documentos referentes á Igreja de Rates, e que na sua quasi totalidade vão publicados, em appendice a este estudo, pela primeira vez, não elucidam este ponto histórico.
Resta, pois, o exame das tradições agiographicas, que, escriptas para serem lidas, se denominaram, por isso, lenidas ou legendas.
A analyse das tradições agiologicas de Braga é fácil de fazer-se pela consulta dos calendários da dio- cese, ou, antes, dos Breviários e Missaes do Rito bra- carense.
A primeira impressão do Breviário bracarense foi feita no governo do arcebispo D. Jorge da Costa ii, anno de 1494.
Esta impressão foi elaborada sobre o breviário manuscripto, do tempo do arcebispo D. Fernando da Guerra, pelo anno de 1440.
D. Jorge da Costa ii ordenou também a primeira impressão do Missal bracarense no anno de 1496, e QO anno de 1498 fez uma segunda edição do Missal e do breviário.
Na Sé de Braga ainda hoje se guarda no tumulo,
^ Chronica dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, Liv. VI, ç. XIII, pag. 331 e segs.
NA península hispânica 53
em que se reserva a S. Eiicharistia na sexta-feira sauta, um diurno ou breviário pequeno^ manuscripto em pergaminho do meado do século xv.
Pois, apesar de ser uma surpreza, é notável que nenhum d'estes breviários, quer impressos, quer ma- nuseriptos. menciona S. Pedro de Rates; mas a sur- preza é ainda maior, se atteudermos a que estes mesmos antigos breviários inserem a 12 de abril S. Victor, martyr bracarense, e deixam no olvido S. Pedro de Rates, primeiro bispo, discípulo dos Apóstolos, e mar- t)TÍzado dentro da própria diocese, e não muito longe da sua sede !
Aggrava-se ainda a omissão, sabendo-se que no referido diurno, na ladainha dos santos, não está in- cluído S. Pedro de Rates, invocando-se, aliás, S. Mar- tinho, S. Fructuoso e S. Geraldo, bispos de Braga ! ^
Ignorar-se-ia, por ventura, naquella cidade o mo- numento mandado levantar pelo conde D. Henrique e D. Thereza a S. Pedro de Rates, no anno de 1100?
Nem isso; porquanto S. Geraldo, o restaurador das prerogativas da Igreja de Braga, e nenhuma mais excellente do que a sua immediata instituição apos- tólica e portanto o catalogo dos bispos que assim o
^ João Pedro Ribeiro, nas suas Observações de Diplomá- tica Portugueza, a pag. 23 diz que, visitando o Mosteiro de Tiavanc.i, em Amarante, encontrou no cartório um breviá- rio bracarense, manuscripto em leltra do século xv, e nelle notou que, estando ali insertos S. Martinho de Durae, S. Vi- ctor, S. Turibio, S. Fructuoso, S. Geraldo, S. Thiago Inter- ciso e S. Mancos, não estava S. Pedro de Rates.
54 ORIGENS DO CHRISTIANISMO
provasse, fora, por assim dizer, testemunha d'essa edi- ficação, demonstrada pelo documento basilar, publicado no appendice irt fine; mas ainda que este documento pareça suspeito, é certo que o convento de Rates já existia no anno de 1180, como logo se verá d'outro documento, e esse authentico.
Ora, o Mosteiro de S. Pedro de Rates existiu até ao principio do século xvi, e n'uma povoação que, em- bora pequena, mas de relativa importância, fora villa e tivera concelho e foral antes do de Yilla Nova de Fa- malicão, que é de D. Sancho i, anno de 1205.
Como é, pois, que em Braga se podia ignorar a existência doeste monumento levantado em honra de S. Pedro de Rates?
Tanto se não ignorava que D. Rodrigo da Cunha ^ conta que no anno de l3lõ o arcebispo D. João Mar- tins de Soalhães querendo visitar o Mosteiro de S. Pedro de Rates, os frades levantaram tal opposição que o arcebispo teve de recorrer á Coroa para os submetter, allegando a posse em que estavam os seus antecessores.
Diz Viterbo ^ que no tempo do arcebispo D. Este- vão Soares da Silva (1213-1228) se fizera uma dilata- díssima inquirição judicial de testemunhas sobre vários artigos, que provavam a primasia de Braga contra as pretensões de Toledo.
Muitas d*estas testemunhas passavam de cem aunos,
Hist. eccl. dos arceb. de Braga, parte 2. a, cap. n, p. 174, Elucidário, vb. « Ladéra ».
NA península hispânica 55
outras tinham pouco menos, e quasi todas condecora- das; pois deposeram todas a favor da Igreja de Braga.
Perguuta-se : nessa ardente e apaixonada contenda sobre a primasia entre as grandes figuras medievaes, D. Estevão Soares da Silva, arcebispo de Braga, e D. Rodrigo Ximenes, ^ arcebispo de Toledo, a qual o papa Honório iii suspendeu indefinidamente pelo Breve de 19 de janeiro de 1218, expedido a cada um dos prelados litigantes, não se allegaria o episcopado de S. Pedro de Rates?
No caso negativo, é porque era desconhecido; e na hypothese affirmativa, porque não entrou logo este sancto com todas as suas honras no Breviário braca- rense ?
O grandioso arcebispo D. Diogo de Souza, segundo restaurador de Braga, na impressão que ordenou do Breviário bracarense em 1508, a instancias do synodo diocesano, foi que introduziu pela primeira vez S. Pe- dro de Rates, com lições próprias, que o fazem discí- pulo de S. Thiago Maior, primeiro bispo de Braga, e martjrizado no logar que lhe deu o nome; e o mesmo sustentou na segunda edição de lõll e na terceira de 1512.
Neste ultimo anno mandou o mesmo Prelado fazer também a impressão do Missal bracarense. Este mis- sal, no seu calendário a letra vermelha, menciona
3 D. Rodrigo Ximenes não esteve no concilio de La- trão IV ; d'onde se vê que não é exacto que ali levantasse a questão da primasia, questão que durava havia um século. Cf. Hespanha Sagrada, iii, pag. 46 e segs.
56 ORIGENS DO CHRISTIANISMO
«Sa?ietl Petri, martyris, de Batis, Archiep. Brachar., solemne* . -
De modo que o missal e breviário de D. Diogo de Souza só differe do missal e breviário de D. Jorge da Costa, em que aquelle a 26 de abril accrescentou S. Pedro de Rates, martyr, cora rito solemiie.
E assim se foi perpetuando a sua memoria no missal do infante D. Henrique de 1538, no breviário de D. Manoel de Souza de 1Õ49, no missal de D. Fr. Balthasar Limpo de 1558, ultimo impresso, no breviá- rio de D. Rodrigo da Cunha de 1634, e finalmente no de D. Rodrigo de Moura Telles de 1724.
D'onde se conclue que só no principio do século XVI começou a Igreja bracarense a prestar culto a S. Pedro de Rates.
Em presença do que fica escripto, mostra-se que a tradição em que se apoia a existência histórica de S. Pedro de Rates, não é antiga; pois falta-lhe uma ca- racterística essencial, que é datar da época dos acon- tecimentos.
Todavia não deixa de ser uma tradição piedosa respeitável ; porque não só S. Pedro de Rates foi in- serido no breviário de D. Diogo de Souza, que certa- mente teve motivos para isso, muitos annos antes do apparecimento dos fabulosos Chronicões, inventados no fim do século xvi pelo Padre Jeronjmo Roraau de la Higuera, de Toledo, e falsamente attribuidos a Flá- vio Dextro, Juliano, Máximo, Luitprando e outros, e por isso depois condemnados pelas Academias da His- toria de Lisboa e Madrid, mas também no Martyrolo- gio romano está inscripto a 26 de abril nestes termos :
NA península hispânica 57
Bracari in Lusitânia Sancti Petri Martyris, primi ejusãem cívifatis episcopi.
É certo que S. Pedro de Rates foi ignorado em Braga durante quatorze séculos, e que esta ignorân- cia poderia ser attenuada, se ao menos a sua biogra- phia, escripta no Breviário de D. Diogo de Souza, fosse indiscutirel; mas cuntém factos e pormenores que a critica moderna geralmente não acceita.
Quanto á fabulosa resurreição de S. Pedro de Ra- tes, a que se faz allusão nos magníficos azulejos da sua capella na Sé Primas, pintados pelo eminente azu- lejista António d'Oiiveira Bernardes, e descripta na reforma do Breviário feita por D. Rodrigo de Moura Telles, foi ha muitos annos posta de parte, porquanto as lições do officio d'este sancto são recitadas pelo Códice Moderno, ordenado pelo cardeal-arcebispo D. Pedro Paulo no anuo de 1853. precisamente as mes- mas do Breviário de D. Diogo de Souza.
Não ha duvida de que em 17 de outubro de lõõ2, o arcebispo de Braga D. Fr. Balthasar Limpo fez tras- ladar as relíquias de S. Pedro, com toda a solemni- dade, da Igreja de Rates para a Sé Primas, ^ e aqui lhes deu logar num sepulchro de pedra collocado na capella absidal de S. Pedro Apostolo, onde se encon- tra á veneração dos fieis, com esta singela inscripção no invólucro de madeira — Beati Petri de Batis cor- pus; mas quem garantiu a D. Fr. Balthasar Limpo a autheuticidade d'estas reliquias?
1 Breviário bracarense a 17 de outubro, e Cunha, Hist. Eccl. de Braga, cap. lxxxu, pgs, 359 e 360.
58 ORiaENS DO CHRISTIANISMO
Se hoje, no estado actual das sciencias anthropolo- gicas um exame de verificação seria difficil, quanto mais no século xvi!
Francamente, depois do que fica dito acerca das tradições da Igreja de Braça sobre S. Pedro de Ra- tes, não repugna acreditar a affirmação feita pelo eru- dito Padre António Pereira'de Figueiredo, n'um inte- ressante estudo elaborado a pedido do arcebispo de Braga D. Gaspar de Bragança no anno de 1771,^ de que a base em que se fundou D. Balthasar Limpo para aquella trasladação, não passa d'um embuste do poeta Henrique Cavado, natural de Lisboa e fallecido em Bemfica no anno de 1508. .
Como disse anteriormente que na biographia de S. Pedro de Rates havia factos e pormenores que os criticos modernos não acceitavam, sem pretensões a uma analyse ainda mesmo ligeira, vou, no entretanto, fazer sobre o assumpto algumas considerações.
A biographia, alem de deficiente, porque não in- dica a terra da naturalidade de S. Pedro de Rates, nem a data do seu nascimento e morte, faz três affir- mações, que desejo submetter á apreciação dos leito- res: 1.* que S. Thiago Maior ^ vivera em Espanha; 2.* que tivera aqui muitos discipulos, e um d'elles fora S. Pedro de Rates; 3.^ que este pelas suas qua- lidades merecera ser instituído por S. Thiago bispo de Braga.
1 Memorias de Braga^ i, pag. 393 e segs.
2 Assim chamado, por ser mais velho do que S. Thiago, Menor, apostolo, que morreu bispo de Jerusalém.
. NA península hispânica 59
Ora como acontece com S. Pedro de Rates, a tra- dição em que se baseia a viagem de S. Thiago á Es- panha antes do seu martvrio, que succedeu, como vimos, na Judeia, na perseguição de Herodes Agrippa I, próximo da Paschoa do anno 42, apparece tardia- mente; e esta circumstancia impressiona mal, por se tratar d'um acontecimento de importância primaria para a historia ecclesiastica da Peninsula.
Pois não foi por falta de occasiões nem de escri- ptores, commenta Leclercq. ^
Até ao século vi esta viagem é completamente desconhecida. Desde Prudencio, poeta e historiador hespanhol do século iv, e que se mostra muito empe- nhado em celebrar as glorias agiographicas da sua pátria, até Juliano, arcebispo de Toledo, que no sé- culo VII escreveu um livro offerecido ao rei de Es- panha Ervigio, onde analysa os ensinamentos distri- buídos por cada um dos apóstolos nos logares em que pregaram ou se julga terem pregado, não ha uma única referencia á evangelização da Espanha por S. Thiago !
E emquanto aqui se nota este silencio, que é sym- ptomatico, em Roma iam mais longe : negavam o facto.
Uma carta escripta pelo papa Innocencio i, no século V, protesta que « em toda a Itália, na Gallia, Espanha, Africa, Sicilia e ilhas interjacentes, ninguém fundou Igrejas, se não aquelles que o venerável apos-
Espagne Ghrétienney pag. 32.
60 ORIGENS DO CHRISTIANTSMO
tolo Pedro ou seus successores constituíram bispos. Que documentem ou provem se nessas províncias al- gum outro apostolo ensinou. Se não podem citar nenhum texto, porque é impossível encontrá-lo, é ne- cessário seguir o uso da Igreja romana».^
O sábio Leclercq, ^ na sua Espagne Chi^étierme^ diz que de tudo que se conta acerca da pregação de S. Thiago em Espanha, da trasladação das suas relí- quias, e da descoberta do seu tumulo, um só facto subsiste: o do culto prestado a este apostolo na Gal- liza, a partir do primeiro terço do século ix; por- quanto em 830 descobriu-se no território de Amala, na diocese de Iria Flavia, um tumulo antigo, que a datar de 1140 foi definitivamente considerado como o de S. Thiago, fixando-se assim a tradição na Historia Compostellana, ^ concluída naquelle anno, e consa- grando-se na imponente cathedral românica de Com- postella do século xii.
As duas restantes affirmações feitas na biographia de S. Pedro de Rates, de que este santo fora discípulo de S. Thiago Maior e por este ordenado bispo de Braga, infelizmente não podem documentar-se.
1 JafTé, Episl., n.^ 311 : ad Decentium Engubinum.
2 Pag. 38.
3 A Historia Compostellana comprehende um período de quarenta annos, desde 11G0 até 1140, e foi encommen- dada pelo arcebispo D. Diogo Gelmires a três cónegos da sua cathedral, seus familiares e confidentes, Munio Affonso, Hugo e Geraldo. Munio e Hugo escreveram grande parte do primeiro livro, e Geraldo escreveu o segundo livro e con- cluiu o primeiro.
NA península hispânica 61
Segundo a tradição da Igreja de Roma, foram sete os discípulos dos apóstolos mandados a Espanha con- tinuar talvez a missão de S. Paulo, e parece que as christandades fundadas tomaram tal incremento, que na região se contaram desde logo sete Igrejas, o que é confirmado pelo testemunho do papa Gregório vii (1073-1085), n'uma carta dirigida aos reis de Espa- nha Affonso Yi e Sancho n, de que dou este extracto : ^ « como o apostolo S. Paulo signifique que veio á Es- panha e depois conte que foram mandados para instruir os povos de Espanha sete bispos por S. Pedro e S. Paulo apóstolos, os quaes, destruída a idolatria, fun- daram a christandade, plantaram a religião», etc. ; e mais abaixo : «e assim como não duvidaes que d'aqui, isto é, dos sete bispos, recebestes o principio da Reli- gião catholica, etc. ».
Ora aquelles sete bispos foram, como já vimos, Torquato, Secundo, Indalecio, Ctesiphonte, Cecilio, Isicio, e Eufrasio, conforme a indicação do Martyro- logio romano a 15 de maio, e portanto nenhum d'§lles com o nome de Pedro.
As lições do breviário de D. Diogo de Souza pre- tendem abonar-se com a auctoridade do papa Cal- listo 11 (1119-1124), para demonstrar que S. Thiago tivera na Espanha muitos discípulos, sendo porém doze os mais affectuosos, e d'ahi concluir que S. Pedro de Rates fora um d'elles.
Será, seria; mas suppondo mesmo que c authen-
Livro I, Begesti, Epistola 64.
62 OBIGENS DO CHEISTIANIBMO
tico O texto de Callisto ii, ^ que pôde lêr-se no mesmo breviário na dominica infra octavam S. Jaeobi, nelle não apparece nenhum Pedro, bispo de Braga.
Como nota elucidativa convém saber que Félix, eremita, designado na biograpbia de S. Pedro de Ra- tes, como descobridor do seu cadáver, nunca foi ca- nonizado, não está no Martyrologio romano, nem nos antigos breviários bracarenses.
Foi inserido por D. Rodrigo da Cunha no breviá- rio, a 31 de janeiro, na edição que fez no anno de 1634, aproveitando, o que é lastimável, as invenções fabulosas com que o Padre Higuera burlara o ar- cebispo D. Fr. Agostinho de Jesus, e que existiam no Archivo da Sé Primas, appensas ao cartulario deno- minado Liber Rerum Memorahilhon.
Rematando, vêem os leitores que não intentei re- futar a existência histórica de S. Pedro de Rates e muito menos a pregação de S. Thiago Maior em Es- panha; apenas procurei serenamente examinar e fazer um registo consciencioso das tradições da diocese de Braga sobre este interessante capitulo das origens christãs. ^
A minha these ficou enunciada no principio d'este estudo, e de novo a recordo: S. Pedro, padroeiro da Igreja de Rates, é o S. Pedro apostolo, ou o S. Pedro martyr, primeiro bispo de Braga?
1 O académico Fr. Miguel de St.* Maria, na sua Voz da Verdade, a pags. 108 e 109, põe o facto em duvida.
2 o primeiro bispo authentico de Braga é Paterno, que assistiu ao 1.° concilio geral de Toledo no anno 400.
NA península hispânica 63
Todo esse conjnncto de citações foi adduzido para responder áquella pergunta ingenuamente formulada, 8 pode levar-nos, a meu ver, á conclusão de que os fundadores da Igreja de Rates a dedicaram a S. Pe- dro, talvez o apostolo, e que só subsequentemente, no século XVI, se começou a entender, debaixo da invo- cação de S. Pedro de Rates, o primeiro bispo de Braga, como também o parece indicar o escudo es- quartellado, que se ostenta na frontaria do templo, o qual no primeiro quartel tem a cruz mscripta^ no se- gundo uma mitra episcopal, no terceiro e quarto as iniciaes de São Pedro; d'onde se deduz que aquelle escudo designa o S. Pedro bispo, mas foi ali coilo- cado posteriormente na reforma do século xvii.
E isto basta pelo que diz respeito ao padroeiro da Igreja de Rates, de que me occupei neste capitulo; agora no capitulo immediato vou, em presença dos documentos, estudar a fundação da mesma Igreja e do seu Mosteiro, que foi, no século xvi, convertido em Comraenda da Ordem de Cbristo.
CAPITULO III
A Viita de Rates, sua Igreja e seu Mosteiro, Commendadores e Commendadeiras
No concelho da Povoa de Yarzim, districto do Porto, diocese de Braga, está situada a Yilla de Rates,
64 ORIGENS DO CHRISTIANISMO
cuja parochia teoi, a invocação de S. Pedro, e com- prehende, além do burgo, os logares ou aldeias do Ou- teiro, Guardaes, Granja, Serra, Yergonha, Fontaynha e outros, cora uma população de 1:300 habitantes, distribuídos por 3õ0 fogos. ^
A actual Yilla de Rates começou com a Igreja e Mosteiro, e embora dos documentos se deduza a exis- tência anterior d'uma outra povoação, a terra comtudo ficou deserta e abandonada certamente no dominio árabe.
Foi o Conde D. Henrique que a mandou repovoar por occasião da fundação da Igreja.
É o que resulta da leitura do Documento n.o 1, publicado no appendice in fine, ^ de que aqui dou este excerpto : «Ego Comes Domnus Henrricus et uxor mea Dona Tarasia Domini Regis Alfonsi filia facimus cartam per hujus texti firmitudinem #'obis priori de Sancta Maria de Karitate et vestro conventui de illa ecclesia que vocitant Santi Petri de Ratis in qua ecclesia una cum uxore mea Dompna Terasia pri- mitus misimus funda ment um , cum a longis retroa- ctis temporibus esset heremita et derelicta Nos vero eam fecimus populari.>->
A povoação de Rates a que se allude n'este docu- mento já existiria no dominio romano?
Os geograpbos e os itinerários d'aquelle tempo
1 Vide Mem. Paroch. e Prompl. das terras de Port., Does. n.°^ 15 e 16 no appendice in fine.
2 Este documento foi publicado por Brandão na Mon. Liís., parte iii, 1. vm, c. xxiii, pp. 64 e 65.
NA península hispânica 65
não a mencionam, o documento não o diz, e em Ra- tes, segando informações fidedignas, nunca apparece- ram vestígios de ruinas romanas. Aquella frase — a longis reiroaetis temporibus — refere-se simples- mente ao tempo em que a povoação ficou deserta ; d'onde eu concluo para a sua existência anterior ao dominio árabe, sem outro registo chronologico, que o documento não auctoriza.
Quanto ás lendas que envolvem ou acompanham a fundação da Igreja de Rates e a installação do seu Mosteiro, não fazem parte d'este estudo, por não se- rem matéria histórica.
O documento, de que dei aquelle pequeno trecho e que no logar respectivo vae publicado integralmen- te, é do anno 1100, e é d'elle que tenho de datar a fundação da Igreja e Mosteiro; pois nelle affirmam D. Henrique e D. Thereza que edificaram a Igreja de Rates — pri?mtus misimits fundamentiim.
E este, portanto, o documento basilar ou inicial, que não só refere a fundação da Igreja, mas também a sua doação aos Monges da Caridade, ditos da nova reforma de Cluni, com todos os dizimos do pão, vinho e linho das terras reguengas existentes entre o Douro e Mondego.
O Priorado de Santa. Maria da Caridade, com o seu reformado instituto, foi fundado em 1140, na dio- cese de Auxerre, França, e dez annos depois unido ao Mosteiro de Cluni, edificado no principio do século X pelo duque de Aquitania, na diocese de Mâcon, do mesmo paiz.
Em Cluni guardava-se a regra de S. Bento.
OBIQENS DO CHBISTIANISMO 5
66 ORIGENS DO CHRISTIANISMO
Não deve causar extranheza esta amplíssima doa- ção do Conde D. Heurique aos monges de Cluni.
A frente d'este celebre Mosteiro estava um mon- ge que tinha na Europa uma alta influencia. ^ Hugo era esse monge, que por sessenta annos regeu o seu Mosteiro.
D'entre os príncipes que votavam sympathias e affectos a Cluni e ao seu poderoso abbade, destacou-se AfPonso VI, que lhe chamava pae; e assim se explica o acolhimento que os condes D. Henrique e D. Raj- mundo, ambos parentes de Hugo, borgonheses como elle, e afiliados ao Mosteiro de Cluni, encontraram no rei leonês, que mais tarde os escolheu para genros, facto a que está ligada a historia da constituição da nacionalidade portuguesa.
E aqui encontrarão os leitores a elucidação fácil doestas largas doações aos monges de Cluni: d'um lado o parentesco com o Abbade dos abbades, do outro a recompensa de serviços prestados.
Em varias Sés episcopaes da Península tinha Hugo coUocado membros da sua congregação e entre elles Bernardo, arcebispo de Toledo e legado da Sé apostólica desde 1092 até 1121. ^ S. Geraldo, arce- bispo de Braga, e Maurício, bispo de Coimbra, e de- pois arcebispo de Braga, foram cónegos de Toledo e também monges de Cluni.
Ora esta expansão e importância dos monges de
* Herculano, Historia de Portugal, i, pp. 204 e segg. "2 Ribeiro, Dissert. Chron., v, p. 249, e Gama Barros, Hist. da Adrn. Puh., i, pp. 225 e 226.
NA península HrSPANICA 67
Cluni veio reflectir-se na arte, porquanto aquella sum- ptuosa e histórica abbadia foi um cenóbio notável como centro de irradiação artistica e como escola.
Foram os monges de Cluni o elemento que mais concorreu para a introducção do estylo românico na Península ; pois eram muito poucos os edifícios chris- tãos anteriores ao século xi ; porque, além da pouca, solidez que deveriam ter as construcções, ensina-nos a historia que as terriveis campanhas do funesto Al- mansor destruiram tudo que de bom existia.
O temeroso e implacável hajib parecia ter jurado apagar o nome christão na Península ! A restauração devia, portanto, começar depois da batalha de Kalat- alnosor em 1002, em que Al-mansor foi vencido. ^
Cingindo-uos ao documento n.° L temos de con- cluir que a Igreja de Rates é uma fundação do. Conde D. Henrique dos fins do século xt, embora esta cons- trucção fosse lenta ou mais tarde se fizessem alterações no plano primitivo ; pois a maioria dos arcos apon- tados accusa, de facto, uma época posterior áquella.
Eu já no capitulo antecedente lancei a ideia de que este documento me parecia suspeito ; ^ todavia, attendendo a que foi produzido pelos frades de Rates em 1268 no reinado de Aífonso iii, evidentemente re- presenta a tradição da Ordem, pois que a data da cer-
1 Al-mansor governou como regente durante vinte e cinco annos o kalifado de Córdova, na menoridade do kalifa Hixam II (977-1002).
* O cartório de Cluni era um cartório desacreditado como o de Alcobaça. Ribeiro, Dissert. Chron., i, p. 55.
*
68 ORIGENS DO CHRISTIANISMO
tidão apenas dista pouco mais d'um século da data do documento original, e portanto da doação.
A igreja de Rates, um dos mais apreciáveis exem- plares do estylo românico, não tem a forma de cruz, a sua planta é do typo da basílica romana, isto é, rectangular, composta de três naves, separadas por quatro pilares, que sustentam, por cada lado, cinco ar- cos, uns em ogiva imperfeita e outros de volta inteira.
As naves, como na Sé de Braga, estão cortadas pelo transepto; mas a nave central, mais alta e ampla do que as lateraes, termina pela abside ou capella-mór, outr'ora em hemi-cyclo. ^
Aos lados, em concordância com as duas naves, estão os absidiolos ou capellas absidaes, também semi- circulares.
A Igreja é toda de silharia de pedra desegual, e de fabrica avantajada, embora pertença ao typo das chamadas igrejas menores.
As suas dimensões são :
Comprimento da porta principal ao fim da abside . 33,ml0
Largura das três naves d6,m22
Nave central, altura 10,m8õ
Nave central, largura 6,ral5
Naves lateraes, altura 5,m50
^, , , , í esquerda 3,^70
Naves lateraes, largura { ,. ., / oc
* ^ \ direita 4,m3.5
, I altura 7,m20
Transepto f , - ot
^ \ largura D,ra25
1 O hemi-cyclo da abside desappareceu.
NA península hispânica 69
As naves estão cobertas de madeira, excepto a ca- pella-mór e os absidiolos, cujos tectos são formados por abobadas de berço e em quarto d'esphera.
A illumiiiação do templo é feita muito irregular- mente, resultado das sevícias com que o deturparam ; DOS bas-côtés ou naves lateraes ha duas janellas d'um lado e uma do outro; no clerestory, sobre a nave central, ha seis janellas de arco de volta inteira, três por lado; no transepto ha duas janellas, outras duas na capella-mór e uma em cada absidiolo; na frontaria abre-se uma grande janella rectangular, devendo no- tar-se que duas fenestras do lado do sul, sendo uma no transepto e outra em a nave lateral, teem também a forma rectangular.
Aos lados da capella de S. Pedro estão duas es- tatuas de mau granito e peor esculptura, uma com trajos prelaticios, mitra e báculo, e a outra com uma c-orôa a cingir-lhe a fronte e na dextra um gladio.
Conjecluralmente representam S. Bento, patriar- cha da Ordem benedictina, a que pertenceu o extincto mosteiro, e o conde D. Henrique, fundador do mesmo mosteiro.
De modo que o monge e o guerreiro podem ali sjmbolizar as duas grandes forças sociaes, que na alta edade-media fizeram de Portugal uma nação livre, forte, civilizada e independente.
A Igreja está orientada no sentido leste-oeste, abrindo a porta principal sobre o occidente.
Esta ó. formada por cinco arcos decrescentes de volta inteira, apoiados sobre columnelos cylindricos com capiteis e bases typicas.
70 ORIGENS DO CHRISTIANISMO
Nas aduelas dos dois últimos arcos estão eseulptu- radas em relevo as figuras do apostolado.
Na face interna ou posterior do tympano que as- senta sobre o dintel, como emblema aliás comraura a outras igrejas da mesma época, ostenta-se o cordeiro paschal' sopesando a cruz entre dois vultos, presumi- velmente a Yirgem e S. Joào; na face externa ou an- terior desenham-se imagens de auimaes, chimericos uns, symbolicos outros.
As portas lateraes — norte e sul — são também so- berbas, e no mesmo estylo da porta principal.
O frontespicio termina em angulo ou frontão, onde abriram uma disforme janella rectangular, em abso- luta discordância com o estylo architectonico.
Interiormente nos pilares e nas paredes estão gravadas doze cruxes^ que bem -mostram que o templo foi sagrado.
As cruzes foram postas nos logares das uncções
com o santo chrisma, para testemunharem a sagração.
N'outro tempo era muito frequente a sagração ou
dedicação de igrejas ; por isso não ha aqui nada de ex-
tranhavel.
A perda, poróm, do cartório do Mosteiro e a falta de lapide commemorativa deixaram no olvido o nome do prelado sagrante, e a data d'aquella dedicação.
A capella-mór está em parte revestida de magní- ficos azulejos das cores azul e branca, destacando-se, porém, os azulejos polychromicos do absidiolo do lado do Evangelho, que teem a data de 1716.
No braço norte do transepto, onde superiormente levantaram, sem arte, no século xvii e reformaram
NA península hispânica 71
uo principio do século xix, a torre, cujo sino mais antigo tem a data de 1795, ha uma formosa janella de arco de volta inteira.
Na fachada principal estão gravadas as datas de 1613 e 1824, provavelmente determinando as épocas das grandes reformas d'este monumento e que infeliz- mente só concorreram para o adulterar.
Ha tempos, neste hello e interessante templo ro- mânico, de que aqui dou apenas uma pallida e suc- cinta descripção, fez-se uma louvável tentativa de intelligente restauração; mas com pouco êxito, certa- mente, devido á falta de recursos.
Próximo da porta meridional, integrados externa- mente, dois modilhões accusam a existência de uma galiló^ ou alpendre, que outr'ora servia de cemitério privado e especial conforme a prática do tempo.
Gravadas na parede existem ali duas inscripções funerárias (fig. 1.*), que, photographadas pelo meu illustre amigo snr. dr. Castro Lopes, elle obsequiosa- mente me ofFereceu para serem publicadas, e cuja li- ção, conferida pelos insignes epigraphistas snrs. dr. Félix Alves Pereira e Pedro A. d'Azevedo, ó como segue :
l.a — ObOit) Or(r)raca G. eira) m. C.C. 2xxxii (J282) i(dibtjs) S P T (septembris).
2.^ — Obíierunt) Petrus Martini et filia
Ejus UoxNA Maior
e(ra) m(il)eslma
1 Até o século xiii n?io se dava sepultura dentro das igrejas senSo aos cadáveres dos bispos, abbades e reis, ain- da que os destes ultimes eram encerrados em cryptas.
72 ORIGENS DO CHRISTIANISMO
Na primeira inscripção regista-se o óbito de uma senhora Urraca Gomes ou Góes na era de 1282 (au. 1244), e na segunda o de um individuo por nome Pedro Martins e sua filha Dona Maior, em data inde- cifrável; certamente pessoas importantes da localidade e bemfeitores do Mosteiro.
N'uma pedra que antecede estas inscripções (fig. 1.^) tinha o architecto do monum.ento gravado o seu monogramma = Jacobus = Thiago.
No século xiT mostra-se dos documentos a exis- tência do Mosteiro de Rates; porquanto no Tombo do Real Mosteiro de S. Simão da Junqueira^ existe no vol. 11 a fl. 39 da era de 1218 (anno de Ch. 1180) o instrumento da renuncia ou cedência feita pelos des- cendentes de Paio Guterres ao Prior Paio Garcia e seu convento^ dos direitos que tinham como padroei- ros ou herdeiros do referido mosteiro da Junqueira; pois um dos signatários doesta doação como confir- mante foi Vilhelmo, prior de Rates, nestes termos : Ego W. Prior Smicti Petri de Ratis vidi et ad ju- diciíim veritatis sigilluni nostimm aposui Jianc car- tam in monasterio Sancti Simeonis.
Do século XIII ha no appendice in fine cinco do- cumentos, que referem a igreja e mosteiro de Rates; ^ aqui farei apenas menção do mais importante — as
* Este extincto convento dista três kilometros de Ra- tes e fica no concelho de Villa do Conde.
* Cf. Viterbo, Elucidário, vb. a Herdeiros ».
3 As Inquirições de D. Affonso n de 1220 publicadas nos P, M. H. também mencionam a igreja de Rates.
NA península hispânica 73
Inquirições de AffoDSo iii do anno de 1258, ainda inéditas, nesta parte, no Archivo Nacional, das quaes extracto o seguinte: «Stephanus qnondam Prior ju- ratus et interrogatus dixit qiiod dominus Rex est pa- tronus quia Comes Donus Anrricus et regina Dona Tarasia dederunt et confírmaverunt locum ístiim cou- tatum et demarcatwn per patrones Ecclesie de Sa?i- cte Marie de Caritate et dixit quod habent Í7ide banas cartas. Item dixit quod de isto Monasterio dant Do- mino Regi annuathn mediam coUectam. »
Este depoimento do Prior de Rates foi plenamente confirmado por todos os depoentes da inquirição, o que demonstra que elle traduzia a verdade.
Caqui resultam as seguintes illações : 1.^* o Mos- teiro de Rates teve conto demarcado sobre si, cuja carta lhe foi concedida pelo conde D. Henrique ; 2.« o Mosteiro era do padroado real, em virtude da doação feita á Igreja de Santa Maria da Caridade, que consta do documento n.o 1 já allegado neste estudo e a que agora se faz referencia quando se diz : quod habent inde bonas cartas ; 3.* não é verdadeiro o que affirma D. Nicolau de Santa Maria, chronista augustiniano, ^ fundado n'uma falsa doação do anno de 11Õ2, da rai- nha D. Mafalda, esposa de D. Afíbnso Henriques, por motivo da qual o Mosteiro de Rates passou para a ordem dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho ; por quanto o Prior de Rates ajuramentado e interro- gado declarou, com a confirmação de todos os depoen-
1 Chron. dos Cónegos Begr. Liv. vi, cap. xni, pp. 331 e segs.
74 ORIGENS DO CHRISTIANISMO
tes, que a Igreja de Rates era do padroado real, por- que o Conde D. Henrique e D. Thereza o haviam doado aos Monges da Caridade, de que possuíam bons títulos; por consequência nesta altura não esta- vam em Rates os cónegos regrantes, do contrario allegariam. como é claro, a doação de D. Mafalda de 11Õ2, por ser para elles o seu documento basilar ou inicial n'aquella casa.
Reparem os leitores que o documento n.° 1 ó uma certidão do original existente no cartório de Cluní, passada no anno de 1268 e registada na chancellaria de D. Dinis, talvez porque faltaram á doação nelle promettida ou feita, doação que aliás foi confirmada por D. AfPouso ni e D. Dinis, como se vê da carta régia de 14 de julho de 1323, documento n.o 8, no appeudíce in fine.
Ora não teria razão de ser a apresentação e con- firmação d'aquelle documento, se o mosteiro não fosse habitado pelos frades benedictinos; porque nesse caso haveria caducado, e portanto estaria sem effeito.
E assim continuou o convento de Rates sempre na posse da Ordem benedictina até á sua extincção no principio do século xvi.
O rei D. Manoel i, na qualidade de perpetuo go- vernador e administrador da Ordem de Christo, foi pelo papa Leão x. em virtude da bulia Reâemptor nos- ier datada de Roma a 29 d^abril de 1514, attenta a superabundância de conventos, ^ auctorizado a des-
1 Cf. Gama Barros, Hist. da Adm. Publ, i, pp. 262 e 263.
NA PENÍNSULA HISPÂNICA 76
raembrar das rendas d'alguus certas porções para delias prover commendas na pessoa d'aquelles que nas guerras dos mouros servissem a Deus e ao Rei. ^
Esta buila foi executada pelo núncio apostólico neste paiz António Pucio com poderes especiaes, que para isso fez expedir de Santarém um rescripto no 1.** de janeiro de lõlõ com o rol dos conventos e a nota das rendas que pertenceriam á Mesa do Mestrado da Ordem de Ghristo, log»» que taes conventos vagassem por morte ou resignação dos actuaes priores ou abba- des.
Nessa lista foi incluído o Mosteiro de Rates. -
D. Manoel, em 26 de fevereiro de 1515, fez expedir de Almeirim uma carta régia ao licenceado Eui Fernandes, ^ Corregedor da comarca de Entre Douro e Minho, ordenando-lhe que em seu nome to- masse posse dos conventos constantes do respectivo rol e existentes na área da sua jurisdicção.
E assim em 2õ de maio do dito anno de lõlõ * apresentou-se no Mosteiro de Rates João de S. Miguel, escrivão do Corregedor, na qualidade de seu procura- dor, acompanhado do clérigo bracarense Marcial Telas- co, notário apostólico, e, na presença de João de Souza, abbade do referido Mosteiro, tomaram posse dos fructos
1 Esta bulia está publicada integralmente no vol. xi do Supplemento ao Corpo Diplomático PortugueZf p. S"!. ^ Vide Doe. n.° i1 no appeidice m fine. 3 Governava a diocese de Braga D. Diogo de Souza. * Vide Doe. n.° 12 no appendiee in fine.
76 ORIGENS DO CHRISTIANISMO
e rendas, que, vagando o mesmo, deviam pertencer ao Mestrado da Ordem de Christo.
Pela morte do Abbade João de Souza foi o Mos- teiro de Rates convertido, de facto, em commenda da Ordem de Christo, e reduzida a igreja parochial, que aliás ficou sendo da apresentação do arcebispo de Braga. ^
Na executorial da bulia lê-se : «Ex Monasterio de Rates dicti Ordinis Sancti Benedicti ad Ecclesiam parochialem redacto illius Rectori sexaginta et priori seu Commendatario nonaginta.> ^
O ultimo abbade João de Souza era filho de Pe- dro Souza de Seabra e de Maria Pinheira, e está sepultado em campa brazonada na capella-mór da igreja de Rates.
Se attendermos ao que d'elle nos conta D. Antó- nio Caetano de Souza ^ e se tivéssemos de aferir a moralidade do convento pela do seu ultimo abbade, concluiríamos que a extincção se fez na altura, e que certamente o Mosteiro não deixou saudades na po- voação.
D. António Caetano de Souza affirma que o Prior de Rates, João de Souza, viveu ali com bastante dis-
1 Já no século xv o arcebispo D. Fernando da Guerra tinha sido aiictorizado pelo papa Martinho v a converter em igrejas seculares muitos mosteiros de religiosos, e a unir outros a casas maiores da mesma religião ou diííerente. Cunha, Hisl. Eccl. de Braga, ii, p. 225.
2 Doe. 3 do maço 16, da Gaveta 7, no Arch. Nac.
3 Hist. Gen., vol. xii, p. ii, pags. 1118, 1115, 1097, 1098.
NA península hispânica 77'
solução e pouca memoria do seu estado; porquanto da sua amante Mecia Rodrigues de Faria, dos Farias de Barcellos, teve seis filhos e quatro filhas. ^
E, coincidência notável, o filho mais velho do ab- bade João de Souza, chamado Thomé de Souza, foi o primeiro commendador de Rates !
Thomé de Souza, que egualmente foi o primeiro governador do Brasil, e também veador de D. João iii e de D. Sebastião, ainda era commendador de Rates em 1560: «a commenda do Mosteiro de Rates, cuja invocação é de São Pedro reduzido a Igreja parochial, de cujos fructos foram apartados no primeiro processo do núncio vinte e quatro mil reaes para o Reitor, commendador Fr. Thomé de Souza, avaliada em oi- tenta mil reaes.» (Livro das Commejidas da Ordem de Christo, pelo Dr. Pedro Alvares — 1560. Cad. 9 da Ordem de Christo, fl. õl).
Em 1Õ37 já Frei Thomé de Souza era commen- dador de Rates; porque a fl. 50 v. do livro 120 da Ordem de Christo encontra-se a nota seguinte: «aos dois dias do mez d'agosto da dita era de lõo7 annos recebeu mais o dito Frei Gaspar, recebedor, de Frei Thomé de Souza, commendador de S. Pedro de Ra- tes, do arcebispado de Braga, doze mil reaes (Jo quarto da dita commenda, perante mim sobredito escrivam, e por verdade assignou aqui — frey Sebastiam — frey Gaspar. »
* Sobre o estado de relaxação a que chegou a disci- plina dos institutos monásticos nesta época, vide Gama Bar- ros, Hist. da Adm. Publ.j i, pag. 292 e segs.
78 ORIGENS DO CHRISTIANISMO
Na Chancellaria de D. Sebastião^ liv. 13, fl. 184^ está uma verba á margem d 'um padrão que diz: «Por fallecimento de Thomé de Souza conteúdo neste padrão pertenceram a D. Helena de Souza, sua filha, como herdeira e testamenteira do dito Thomé de Souza, 90:000 reaes dos 150:000 reaes do terço do juro e os dez mil reaes ao Mosteiro de Rates por estas obrigações, portanto se mandou De 5 de maio
r
de 1Õ79. E curioso, diz o meu douto amigo Pedro d'Azevedo, que não se encontram no Archivo Nacio- nal os padrões de D. Helena e do extincto Mosteiro de Rates, o que não admira por o caso se passar no tempo das alterações politicas.
Finalmente, o doe. n.o 13 no appendice in fine^ carta regia de D. João iii de 3 de novembro de 1534, mostra que já nesta data havia em Rates commenda- dor, sem duvida, Thomé de Souza.
O 2.° commendador de Rates foi Manoel Telles, que já o era em lõ6õ, conforme se lê a //. 17 do Có- dice 19, do cartório da Ordem.
O documento n.° 14 no appendice in fine^ carta regia de D. Sebastião de 5 d'outubro de 1568, de- monstra que Manoel Telles ainda era commendador de Rates naquella data.
3. o commendador — Fr. António Jacques — 11 de junho de 1571. (Liv. 3 da Chanc. da Ordem^ fl. 46).
4.0 commendador — Francisco Jacques, a quem suc?edeu Fernando Soares de Calataud, 5.° com- mendador — 24 de novembro de 1595. (Lii\ 11^ fl. 404).
Pedro César de Menezes — administrador da Com-
NA PEXINSULA HISPÂNICA 79
menda por um anno — lõ de jaueiro de 1665. (Liv. 18, fl. 253).
A 1.* corameodadeira de Rates foi D. Guiomar Francisca Henriques — 12 de fevereiro de 1669. {Liv. 56, fl. 104).
2.^ commendadeira — a condessa da Feira D. Vi- cencia Luiza Henriques Forjaz Pereira de Menezes — 12 de julho de 1701. {Liv. 74, fl. 242 v.)
6.° commendador — D. Rodrigo da Costa, tillio do Conde de Soure — -1 de setembro de 1716. {Lh. 99, fl. 283 V. )
7.° commendador — D. João Manoel da Costa — 17 de março de 1732. {Liv. 83, fl. 199 v.)
3.^ commendadeira — D. Maria Leonarda da Costa
— 27 de fevereiro de 1742. {Liv. 76, fl. 119).
8.® commendador — D. José Francisco da Costa — 11 de maio de 1798. {Liv. 27 da Chanc. da Ordem
— D. Maria i — fl. 62 v.).
A 4.^ e ultima commendadeira foi a marqueza d' Aguiar— 18 de fevereiro de 1820. {Liv. 4 da Chanc. da Ordem — D. João vi — //. 125).
Com esta senhora termina o catalogo dos commen- dadores de Rates; poisque pelos decretos de 30 de maio de 1834 e 14 de julho do mesmo anno, sendo extinctas todas as Ordens regulares ou religiosas no paiz, inclusive também as Ordens militares, e os seus bens incorporados nos próprios da Fazenda Nacional, acabou d'este modo a Commenda de Rates, como as demais.
No capitulo seguinte, ultimo d'este trabalho, va- mos, ainda que perfunctoriameute, ver o fim que ti-
8U ORiaENS DO OHRISTIANISMO
veram as outras instituições de Rates, não menos no- táveis do que esta.
CAPITULO IV Julgado, concelho e senhorio de Rates
A antiga Villa de Rates, da Terra de Faria, pró- xima do Monte de Laundos, e não longe da corrente do Deste, teve muito cedo foral, do typo de Salaman- ca, dado ao couto do seu mosteiro, e reformado, no governo de D. Manoel i, em 4 de setembro de 1517. ^
O foral de D. Manoel, como se vê do seu texto, 6 a reforma d'um outro anterior, cujo original se per- deu; mas pela allusão que lhe faz o foral velho de Villa Nova de Famalicão, concedido por D. Sancho i em 1 de julho de 1205, poderá d'ahi presumir-se que o foral velho de Rates fosse outhorgado pelo mesmo monarcha. A referencia é esta: Ma7ido etiam ut fa- ciatis feiram hi Dominico Die, de XV m XV díebics, et detis portagium, qiwmodo dant in S. Petro de Ratis. *
* Livro dos Foraes novos do Minho, fl. 145, col. i. Ha um exemplar no Arch. Man. da Povoa de Varzim.
* Gama Barros, HisL da Adm. Pub., i, p. 155; Her- culano, P. M. //., Leg. et Cons., i. p. 530; Viterbo, Elucidá- rio, vb. Feira ii.
NA PESINSULA HISPÂNICA 81
O foral de Famalicão adopta, quanto à portagem, os usos de Rates, certamente do seu foral, e portanto devemos datar d'aqui pelo menos a constituição do concelho de Rates.
Por consequência, o concelho de Rates existia já no século xiit, o que de mais se prova pelos do- cumentos publicados no appendice in fine.
O documento n.° 2 do anno de 1247 menciona a villa Sancií Petri de Batis ; o documento n.^ 4 do anno de 1259 foi feito e authenticado por Domingos Pomingues, tabellião publico da villa de Rates; o do- cumento u.^ 5 do anno de 1262 foi escripto e egual- mente authenticado pelo mesmo tabellião.
Quanto ao julgado, ó preciso distinguir: embora conste das Inquirições de Affbnso iii de 1258^ que em Rates havia juiz^ comtudo a sua alçada era muito limitada; porquanto nos séculos xiii e xiv a villa de E;ates, a certos respeitos, fazia parte do julgado de Faria.
Era determinados dias o juiz de Faria vinha admi- nistrar justiça, em conselho dos homens bons, aos po- vos de Rates, como exhuberantemente se vê dos documentos do appendice i?t fine, especialmente o documento n.° 6 para o século xiii, e para o século XIV os extractos do Tombo de S. Simão da Junquei- ra, publicados no mesmo appendice cora o n.o 7.
' Vide appendice in fine.
- A sede d'este julgado era na freguezia de Faria, con- celho de Barcellos.
ORIGENS DO CHRISTIANISMO 6
82 ORIGENS DO CHRISTIANISMO
No principio do século xv os documentos accusam a existência do julgado de Rates distincto e separado do de Faria, como se mostí-a da carta régia de D. João I, do auno de 1401, documento n.° 9, no appen- dice.
No século XVI uma carta régia de D. João iii, do anno de 1534, documento n.^ 13, no mesmo appen- dice, menciona o juiz ouvidor de Rates.
E' interessante este documento.
Quasi todos os moradores da villa de Rates alle- gavam privilégios e isenções para não servirem os cargos do concelho, como vereadores^ procuradores^ ah motaceis, etc. ; d'este modo, numa povoação pequena^ o exercicio dos cargos era pesado por causa do redu- zido numero de pessoas aptas a servi-los; d'ahi uma representação dos officiaes da Camará de Rates, que el-rei attendeu, annuUando os privilégios allegados e rejeitando as escusas aos eleitos.
Por decreto de 7 de agosto de 1835, foi extincto o julgado de Rates e incorporado na comarca de Yilla do Conde, que comprehendia os antigos concelhos de Azurara, Povoa de Yarzim, Rates e Yilla do Conde.
O decreto de 6 de novembro de 1836 supprimiu o concelho de Rates, annexando-o á Povoa de Yar- zim.
Em 31 de dezembro de 1836 foi publicado o novo código administrativo, que entrou em vigor em 1 de
^ Segundo o recenseamento da população elaborado em 1527 por ordem de D. João ni, a villa de Exales tinha 71 fogos. Arch. Hiit. Port., vol. ni, pags. 7 e 8.
NA península hispânica 83
abril de 1837, e nesta data acabou de facto o conce- lho de Rates, que se compunha de uma só freguezia, O primeiro acto, que a Camará Municipal da Po- voa de Yarzim praticou em Eates, foi nomear a côm- missão parochial em sessão de 22 de maio de 1837, ^ porque os eleitores de Rates não se reuniram no prazo legal para elegerem a respectiva Junta de Parochia. Assim terminou o concelho de Rates, que contava seis séculos de existência, e que, para cumulo da des- ventura, era integrado noutro, que viu nascer ! -
Como reliquias saudosas e commoventes d*essa extincta jurisdicção municipal ainda se ostenta em Rates o pelourinho, d'um estylo incaracteristico, e no Archivo Municipal da Povoa de Varzim, carinhosa- mente acautelado, jaz o modesto cartório do senado da Camará da Yilla de Rates, cujos livros das actas das sessões constituem um pequeno espolio; porquanto a acta mais antiga tem a data de 1731 e a mais re- cente a de 1826.
Os livros das notas do antigo tabellião do suppri- mido julgado de Rates, hoje integrado na comarca da Povoa de Yarzim, ^ estão archivados nos cartórios do 1.® e 2.° officio d'esta comarca.
No cartório do illustre escrivão-notario Fiúza da
1 Livro das Actas da Camará de Varzim, no respeclivo Arch. Mun.
2 O foral velho da Povoa de Var/im foi dado por D. Diniz no anno de 1346. Chanc. de D. Diniz, 1. iv, fl. 45.
3 Esta comarca foi creada por decreto de 16 de junho de 1875 e installada em 9 de setembro do mesmo anno.
4e
84 ORIGENS DO CHRTSTIAXISMO
Silva está o livro mais antigo, cuja primeira escri- ptura foi lavrada em 21 de maio de 1724 pelo tabel- llão Manoel Gonçalves Serra, e o mais moderno, que contém o ultimo instrumento, feito em õ de setembro de I83Õ pelo tabellião Manoel José Fernandes de Macedo.
Como complemento, direi que o senhorio de Kates pertencia á Casa de Bragança por doação régia de D. João I, do anno de 1401, documento n.^' 10, no appen- dice in fine.
Nesta carta régia D. João i declara que, tendo sido confiscados os bens de D. Gonçalo Telles de Me- nezes (Conde de Neiva), irmão da rainha D. Leonor Telles de Menezes, viuva de D. Fernando, e entre esses bens o senhorio de Rates, que lhe fora doado com a Terra de Faria em 18 de novembro de 1409^ (anno 1371), e portanto, estando na posse da Coroa, os doava a Dom Afíonso, seu filho natural, nono Conde de Barcellos e primeiro duque de Bragança, casado com D. Brites Pereira d'Alvim,^ filha do Con- destavel D. Nuno Alvares Pereira e de D. Leonor d'Alvim.
E aqui ponho remate a estas ligeiras notas, que poderão servir de indiculo a quem um dia se propuser escrever um trabalho histórico definitivo sobre o the- ma d'este aliás interessante capitulo, que só inciden- talmente versei no meu despretencioso estudo, que vou encerrar.
• 1 Chancellaria de D. Fernando, l. i, fl. 8i.
2 Está sepultada no coro de baixo da igreja do extincto convento de Santa Clara de Viila do Conde.
CONCLUSÃO
Aqui fica este trabalho para os leitores o aprecia- rem como entenderem.
Se é difíicil, entre nós, o estudo da historia civil ou profana, muito mais, por certo, o é o estudo da his- toria ecclesiastica.
Versar as origens em qualquer ramo da historia é sempre espinhoso, mas, sob o ponto de vista ecclesias- tico, para aquelles que põem acima de tuda a verdade e só a verdade, em o nosso paiz, chega a causar pa- vor;^ porque, arcar com a vetustez das lendas, que se phantasiaram para supprir a deficiência de docu- mentos ou monumentos, reconstituir ura passado sem
1 A carta de Piiblio Lentulo, governador da Judeia, ao Senado Romano, sobre a paixão e vida de Christo é unifor^ memente reputada apócrypha. O mesmo acontece com a carta do rei Ahgaro de Edessa a Jesus Christo ofTerecendo- Ihe hospitalidade, e a resposta de Jesus recusando, e en- viando-lhe o seu retrato. Egualmenle são consideradas apó- cryphas as imagens de Christo attribuidas a Nicodemos, e as da Virgem pintadas por S. Lucas. Essas imagens, execu- tadas segundo o estylo bysantino, não podem pertencer ao primeiro século. (Padre Syxto, Nol. Arch. Christ., n,Part. 2.* pag. 160).
86
CONCLUSÃO
acatameuto pela uniformidade dos respeitos conven- cionaes, suscita resentimentos e animad versões, que só o tempo e o progresso dos estudos históricos pode- rão um dia apagar.
Sectário d'uma philosophia tranquilla, preoccupan- do-me apenas com a minha consciência, tudo para mim se resume numa palavra santa e única — a Ver- dade.
O Christianismo não precisa das lendas inverosí- meis e das ficções insustentáveis, com que a sua his- toria tem sido por vezes conspurcada.
O Christianismo, para se impor e brilhar, basta que lhe recolham os seus factos notáveis com a mesma sinceridade e lealdade com que se faz um inventario honesto: porque caiumniadores de uma instituição são também aquelles que imaginam que o credito d'ella depende de successos vãos ou exaggerados com particularidades não provadas nem prováveis.
Demais, se a nós mesmos occultarmos a verdade, os outros, os extranhos, os adversários no-la virão contar, mas então com mais rude e cruel franqueza.
Quantas vezes o espirito de partido ou de seita, mau conselheiro para o historiador, o faz vêr os fa- ctos pelo prisma das conveniências sociaes, sem ao menos suspeitar que o mundo se rirá não só d'elle, o que pouco importa, mas da credulidade e ignorân- cia da aggremiação que deshonra, querendo aliás €xaltá-la ! ^
Então a Igreja catholica não tem nas memorias
1 Herculano, Hist. de Port., i, Adv., pp. vni e ix.
CONCLUSÃO 87
verídicas da sua longa existência factos que deslum- bram pelo seu brilho explendoroso, e figuras que en- cheram o mundo de admiração e espanto?
Para que, pois, attribuir-lhe façanhas que não praticou, virtudes que não teve, quando aliás possue outras, que são suas, e de que nunca a historia a po- derá esbulhar?
A historia, como se escreveu nos fins do século XVI e principios do século xvii, entre nós, é uma ver- dadeira vergonha ; e, o que mais é e peior é, é que as fabulas então inventadas constituem hoje crenças arreigadas, e aos olhos de muitos legitimadas pela prescripção !
Os falsarios d'esta época formaram um triumvi- rato composto de Fr. Bernardo de Brito, de Alcobaça, do Padre Jeronymo Roman de la Higuera, de Toledo, e de Gaspar Alvares Louzada, de Braga. ^
Estes três burlões entendiam-se reciprocamente.
Gaspar Alvares Louzada, secretario do arcebispo de Braga D. Fr. Agostinho de Jesus (Castro), deixou no Archivo da Mitra d'esta cidade um volume in fo- lio que contém documentos que se dizem extrahidos da Torre do Tombo, quando elle exerceu ali o logar de Escrivão, e respeitam todos d'algum modo á igreja de Braga; pois d'estes documentos não existem os ori- ginaes, quer dizer, foram fabricados por elle ! ^
No entanto, nesses documentos contam-se factos extraordinários e relevantes, sem se omittir quanto
^ Ribeiro, Dissert. Chron., i, pag. 65. 2 Ribeiro, Obs. de Diph, p. 84.
88 CONCLUSÃO
fosse preciso para abonar a tradição sobre S. Pedro de Rates.
E, para provar que tinha mestres no officio, con- fessa no mesmo livro a sua correspondência com Hi- guera, que conheceu da casa do arcebispo D. Frei Agostinho de Jesus.
O Padre Higuera, como já disse, foi o inventor dos falsos Chronicões, que infamaram a historia eccle- siastica da Península, e que geraram essa enormidade d'erros grosseiros em que cahiram diversos escripto- res dos séculos immediatos.
Do que deixo escripto também se pode avaliar o conceito que devem merecer as certidões que Louzada passou a Fr. Bernardo de Brito para provar muitas inven(,'ões fabulosas, certidões aliás perfeitamente dis- pensáveis a quem não tinha escrúpulos, como Brito, em forjar documentos falsos, de parceria com outros seus consócios, no cartório de x4.1cobaça. ^
Por aqui vêem os leitores que estes fabricantes de burlas infamaram a historia a tal ponto, e causaram estragos de tal natureza, que é necessário muito tempo para os reparar.
Claro que estas falsificações não foram um caso
1 Cf. Coelho da Rocha, //. do Dir. Pátrio, pag. 47 ; Ri- beiro, iJissert. Chron.y i, pags. 54 e segs., e iv. pag. 11; Idem, Obs. de Dipl., pag. 82; Herculano, Intr. ao vol, /, fase. II, Scriplores, P. M. H. Do corlorio de Alcobaça sahi- ram o instrumento da AppariQão, as Cortes de Lamego, o concilio de Br.iga siih Pamratiano, a correspondência entre S. Bernardo e Aflonso Henriques, e muitas outras patranhas históricas.
CONCLUSÃO 8í>
esporádico, o exemplo fructificou, e os falsarios fize- ram escola.
D. Nicolau de Santa Maria encheu a sua Chronica dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho de docu- mentos e citações falsas.
O caso foi tão escandaloso que os próprios cole- gas da sua Ordem protestaram, tomando D. Vicente de Jesus Maria, cartorário do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, o encargo de corrigir em vários logares a mesma Chronica, e reclamando D. Josó de Cliristo contra as adulterações que o chronista fizera nas suas Memorias, de que por ordem dos superiores se havia aproveitado. ^
Quanto a Fr. Leão de Santo Thomaz, na sua Be- nedictina Lnxitana, posto que de boa fé, produziu comtudo um trabalho sem critica; porquanto muitos dos documentos, que allega, ou são apócryphos ou de diversa época; não viu os originaes, acceitou as co- pias que lhe mandaram; além d'isso abona tradições com informações de religiosas; e, por ultimo, quanto a alguns documentos, que diz ter examinado, é ma- nifesta a sua imperícia. ^
Fr. Leão de S. Thomaz, bem como D. Rodrigo da Cunha no Catalogo dos Bispos do Porto e Historia Ecclesiastica de Braga, e Jorge Cardoso, no seu Agiologio Luxitano, tomaram por textos os embustes de Brito, Higuera e Louzada; D. Jeronymo Contador d'x\rgote redigiu as suas Memorias para a Historia
1 ^{ibeiro, Ohs. de DipL, pag. 80 e segs. * Ribeiro, Ohs. de Dipl., pag. 76.
90 CONCLUSÃO
EccJesiastica do Arcebispado de Braga segundo infor- mações que lhe mandaram, não fez uma investigação directa e pessoal nas fontes;^ D. Thomaz da Encar- nação, na sua Historia da Igreja Lusitana^ além de tradições inacceitaveis, cita factos e refere nomes que nenhum documento irrecusável auctoriza; finalmente, José de Souza Amado, na sua Historia da Igreja em Portugal^ reproduziu as lendas mais phantasticas e inverosimeis. E basta... para os leitores fazerem o seu juizo sobre o estado em que, ainda ha pouco tem- po, se encontrava a historia ecclesiastica neste pobre paiz.
Recentemente, porém, no nosso meio, teera-se pu- blicado trabalhos valiosos, alguns até notáveis, desti- nados a reconstituir a historia em todos os seus ra- mos; mas a vinha é larga e os operários são poucos.
Concluímos, pois, este nosso modestíssimo estudo, com votos ferventes e muito sinceros pelo progredi- mento da sciencia histórica; porquanto, como diz um illustre publicista, ^ < não conhecermos a nossa pró- pria historia é de bárbaro; cenhece-la, porém, vicia- da, tecida de burlas e piedosas fraudes, é peior; por- que no primeiro caso, a nossa ignorância poderá evitar muitos desconcertos; ao passo que, com a memoria das fabulas que nos tiverem ensinado, daremos razão justificada a que se riam de nós. >
^ O seu principal informador foi D. Luiz Alvares de Figueiredo, bispo de Uranopolis e coadjutor do arcebispo de Braga, D. Rodrigo de Moura Telles.
* O sr. José Caldas.
APPENDIGE DE DOCUMENTOS
N.^ 1 {A.n. IIOO)— Universis preseiitis iiteras ins- pecturis Johannes per missione divina Biluricensis Archi- episcopus Adquitanie primas salutem in domino. Noveritis quod nos in Registro ecclesie Karitatem cluniacen. ordinis antisiodoren. diocesim vidin.ns carl.-m comitis Henrrici et vxoris sue domne Terasie domini Regis AlíTonsi filie non ■cancellatam nec abollilam neo viciatam sub forma que se- quitur et conssimili signo iníTerius aposito:
In nomine patris et fillij et spiritiis sancti amen. Ego comes dompnus Henrricus et vxor mea Dona Tarasia domini Regis Alffonsi filia facimus cartam per huius texti fimitu- ■dien ifirmiliidinem ?) vobis priori de sancta maria de Kari- tate et vestro convenlui de illa ecclesia que vocilanf santi petri de Ratis in qua ecclesia una cum uxore mea Dompna Terasia priíiiitus misimus fundatnentutn, cinn Alongis Betro' actis iemporibus esset hereinita et derelicta Nos vero eam feci- mu^ populari, et sano animo et integra volumptate pro Re- médio animarum nostrarum et parentum nostrorum OíTeri- mus illam heremitam sancte Marie de Karitale cum omnjbus suis terminis et cum quantum ad ius nostrum pertinel ita ut prior de Karitale et conventus eiusdem habeant pienam poteslatem faciendi in ea quioquid voluerint unde quia in omnibus religiosorum virorum indem (mc) habitancium nos plurimum confidimus et in eorum coliegio cum omnibus
92 APPENDICE
sanclis in die Judicii ante tribunal domini cupimus aparere idcirco hoc parvam munusculum sancte marie de Karilate offerímus quos in die Jodicij ipsa nos oíTerat et genws nos- Iro et ibesu ehristo filio suo ut ab ipso postmodum Recipia- mus raercedem eternam damns siquidem et oferimus ecclesie Maneie marie de Karilate omnes decinxas de patie ei vino et tino muniam Begalium que kabemus et que habere debemu^ ego et rxor mea Dompnus Terasie a fíumen d^rij usque ad flurius tiiundecij quia nunquam eas antea persoivebamus simiiiter pro animabus nostris et parentuin noslrorum Omnibus (?) auteoi lan ex progénie nostra vei exlmnea que hoc nostnim Cactum iUesum coDservaverit sil pax et verilas et animas eorum postmodum a deo omnipotenlem recipiantur in eterna tabernacula amen.
Si forte aliquis ex progénie nostra vei extranea contra hoc nostrum factum venire voluerit et donalionem nostram infringere conterat deus omnipotens dentes eornni more ipsonim et malas eonim conffringat. Et insuper a comuníone sanguinis et corpons domini in poslerum alienus exislat et inSeroo com Juda traditore perpetuas sustinent penas amen. Facta carta testamenti et helemosine huius mensi Martij Apud Colinbríam. Era M.»€*xxx.aviij.a Ego Comes dompnus henricus cum vxore mea dompna terasia hanc cartam ma- nibus nostris propris Roboramus. Qui presentes fnerunt et viderunt Regnerius presbiter nolarius, formarigus goterriz teslis. Árias Judex testis. Âscaldus testis. Aymon filius suus testis.
In cuius rey testimonium presentes literas sigillo nos- tro sigillavimus. Dante apud Karitatem Mensse Júlio in Na- laie beatorum Apostolorum petri et pauli. Anno domini M.'«G.*lx.'Mij.« (1268).
ChaneeUzui de D. Dinis, Iít. m, fi. 9} r.
IS.^2 ( Aji. 1:24=7^} — In dei nomine. Haec est Karta Tenditionis et firmitudinis quam Ego Martinus Johannis et uxor mea Maria Femandi facimus tibi Elvirae Menendi et filiabos lais Mariae Pelri el Mariae Menendi s. de una casa
APPENDICE 93
Gum exilii suo, quam habemiis in villa Sancli Petri de fíatis, et ipsa casa habet jacenliam prope Ecclesiam in ingressu de fora nominalin inter casam Gondisalvi Vermondi : Vendi- nius vobis ipsam casam cum exitu suo pro precio, ijuod de vobis accepimus octo morabetinos et médium et pro robora sex denariis : quia tantum nobis et vobis hene complacãt, et de precio apud vos r.ichil reniansit in devito pro dr.re. Habeatis vos ipsam pene dictani casam cum exilu suo firmi- ter et omnis posteritas vestra in saecula saeculorum. El si aliquis homo venerit. vel venerimus tam de nostris propin- quis quam de extraneis. que vobis hanc Kartam rumpere voluerií, et nos eam, in Concilio vendicare non potueiimus, aut noluerimus; aut vos in você nostra : reddamus vobis ipsam casam dupplatam, ut qurmíum fnerit meliorata et Domino terrae aiiud tantum. Facta carta mense Julii, era milésima dncentesima octogésima quinta. Nos superius no- minati, qul hanc Kartam fieri jussimus coram bonis homini- bus eam nostris propriis n,anibus roboramus. Isli sunl tes- tes. Petrus testis. Marliniis te>tis. Johannes testis. líeinaldus noti i(.
Tombo do mosteiro de S. Simão da Junqueira, liv. i, fl. 66. Inquirições de D. Affonso III
IV.o 3 I An. lííSS) — Item in villa sancti Peíri de Raiis non entrai ili Prior sei donus Stephanus quondam Prior iuratus et interrogalus dixit quod dominus Rex est patronus quia Comes donus Anrricus et regina dona Tara- sia dederunt et confirmaverunt locnm istnm caulctt>im et deiiwrcatum per palrones Ecclesie de Sancte Marie de Cari- dade et dixit quod habent inde bonas cartas. It. dixit quod de isto Monaslerio dant domino Pegi annuatim mediam col- leclam. It. dixit qnoi homines isli is ville vadunt cum do- mino Rege in exercitu suo. Item dixit quod si idiquis han o islius ville fecit callumpniam aliquam extra cautum si iiiipe- titus fuerit super hoi a Maiordomo terre f^abit fidei uxo- rem Csic) quod corrigat perante Judices de Faria et de lúilis.
94 APPENDICE
It. dixit qiiod sanctus Petriis de Ratis nec comparavit vel acquisivit de quo dominus Rex perdit direclum vel foriim suiim. It. dixit quod forariíis domini Regis non sunt ibi. Dominus Reymiindus et Martinus martini fratres ejusdem loci et Martinus Martini Judex de Fai^ia et Pelagium Pélri Gonsavi Judex de Ratis et Dominicus menendi Clericus et Martinus iohannis et Gonsalvus laurentij et Dominicus me- nendi et Dominicus pelaiz et Martinus iuliani et Dominicus petri iurali et interrogati dixerunt in omnibus et per omnia sicut donus Stephanus quondam Prior.
Inquirições da era de I29t5. Liv. 7 de Inquirições de D. Afonso III, fl. 15 V. O mesmo consta dos livros 4 de D. Afonso iii, fl. 42 v. e 9, fl. 11.
San Pedro de Ralis
En freguesia de sam Pedro de Rates steuam dominguiz tabaliom Domingues Anes Joham Lourenço Abril perez jura- das aos evangelhos disserem que non lia hi El Hey casaaes nem herdades saben que ha hi El Rey húa mea colheyta quando veer alguém doyno e a rrenda dos tabeliães e a chencellarya do juiz quando eleegem.
Inquirições de D. Afonso iv da era de 1381, liv. 1, fl. 176 v.
IS.'' 4 (An. l^SO) — Haec est debita quam debet dare Gunsalvus Capelanus de Ratís. Inprimis Stephanae Ru- bitunde et sociae sue quindecim morabetinos decem et sex sólidos. Item Gontinae Geege qualuor morabetinos. Item Domno Durando de Grangia duo morabetinos et médium. Item Petro Stephani et Petro Fernandi duo morabetinos, et tertio. Item Petro mancipio suo unam libram. Item Domi- nico Pelagii cleri':o Blacarensi quinquaginta et duos sólidos. Item debeo Dominico Pelagiis de Mauro septem sólidos de vino. Item luliano Gunsalvi sex sólidos. Item Mariae Can- valérae octo sólidos. Item tribus Michaelibus três solidrs de sacho. Item lohanni Gunsalvi septem alqueires de milio. Haec est manda et teslamentum quod condidit Gunsàluus Capelanus de Ratis pro remédio animae suae. In primis
APPENDICE 95
Ecclesiae de Ratis quinque morabetinos. Item clericis eJKsdem duo morabetinos. Item Abbati suo unum morabetinum. Item Mariae consiiprinae suae una vaca cum filio suo. s. ganatara et tres oves. liem lohanni clientulo suo unam vacam cum fiiio suo. s. castelam. Item lohanni unum morabetinum. Item aliud ganatum et oves et capre et penates Domnae Genavae sororis suae. Item Martino luliani unum. Item Cu- ronge unum niorabelinum. Item Slephaninae Carpentariae unum morabetinum et unam juvencam filiam de Castela. Item Martino cumsuprino meo unum morabetinum. Item Martino Gunsalvi unum morabetinum et medietatem corti- nae de lusana et aliam medietatem Eccleiiae de Rati.-^. Petro lohannis generi de lusta duas partes de umim morabetinum. Item mando quod vendant domos meãs de Oiteiro et omnes alias meãs haereiitates ad persolvendum debitas meãs et mandam supradictam. Iteni mando quod dent ad Monaste- num de Bati^. s. clericis ejusdem pro aniversario Gunsalvi Suaris de Ponte et fratres Petri Gunsalvi tredecim alquei- res de tritico et tredecim alqueires de vino pro festo Sancti Michaelis. Item mando et etiam constituo hoeredes meos Dominicum Pelagii de Mauro et Petrum Martini Rectorem Ecclesiae Sanli Adriani, et do eis potestatem quod ipsi com- pleant suprascriptum testamentum meurn, et debitam meam persolvant et nulus veniat contra ipsos et hoc faciant per omnes domus meãs et haereditates secundum quod supra- dictum est. Et si eis aliquis venerit in contrarium* rogo dictum meinn Priorem de Batis quod non demitat eis fortiam facere. Facto testamento mense lulii era milésima ducen- tesima nonagésima septima. Qui presentes fuerunt Pnor de Batis Doynnus Dorninicus, Martinus clericus, Marlinus Gon- salui clericus et Ego Doyninicus Dominici publiciis Tabellio Domini Regis in villa de Batis per mandatum jam dicti Gunsalvi Capellani, et ad instantiam suprascriptorum hoc testamentum própria manu conscripsi et hoc meum signum apposui in eodem. Item Ecclesiae Sancti Adriani quaila de morabetino.
Tombo do mosteiro de S. Simík> da Junqueira, liv. ii, fl. 55.
96 APPENDICE
nV.*^ S (Ali. IQOS) — In Dei nomine amen. Nolum sit praesentibus et fiUuris quod Nos Frater Vilelmus Prior Sancli Petri de Botis una cum capitulo noslro damus, dona- Duis atque concedimiis et etiani in heneficiuni canonice as- signamus Petro Martini cumcanonico nostro illam domum iiostram cum sue cortina, et cum paredariis suis quam ha- bemus in rua qnae dicitur Carvalal. Et simiiiter domus ei illud nostrum Trenum (=terrenum?) quod jacet ultra viniam Dominici Stephani quomoio dividit per deffensam de Ratls- et per Trenum quod fuid Gundisalvini et venit ad viam publicam quae vadit per ad villam de Hatis Damus inquam eidem Petro Ma';tir)i jani dictam domum, Cortinam, Trenum et paredarios cum omnibus ingresibus et regresibus eorum ^t cum omnibus juiibus et pertinentiis eorum prout Nos et Ecclesia Sancti Peiri de Ratis habemus et habere debemus lali videlicet conditione et pacto quod ipse Petrus Martini teneat et possideat jam' dictam domum, cortinam, paredarios et Trenum jam dictos, tolo tetiipore vilae suae, post mor- lem vero suam remaneat jam dieta Domus, Cortina, pare- darii et Trenum jam dictum libere et quiete et sine aliqua contradictione cum tota benefactoria, quam Petrus Martini jam dictus in jam dictam domum, cortinam, paredarios et Trenum fecerit Ecclesiae Sancti Petri de Ratis. Siquis vero venerit vel Nos venerimus qui hoc factum nostrum fran- ^ere voluerit, sit maledictus et excomunicatus, etcum Juda traditore in infernum dimissus, et insuper parti liuic car- tae obtempanti (4cJ quingentos morabelinos pectet. Carta ista et facto nichilominus semper in suo robore permanen- te. Et in hoc in posterum non possit in dubium devenire praesentem cartam, jam dicto Petro Martini concessimus sigillo venerabilis viri jam dicto Prioris nostri mnnimine consignatam. Facta carta mense Februari era milésima lercen^ ^esima. Qui praesentes fuerunt Johannes abbas, Symeon Martini ctpelianus Dominicus Johannis, Domnus Marlinus clerici ds I{ati3, Stephanus Petri, alter Dominicus Johannis, Johannes P»egnandus, Domnus Agilus monachi et clerici Sancii Petri de Ratis. Et Ego Lominicus Dominici publicus
APPENDÍCE 97
TahelUo Domini Regis in villa de lialiá ad instantiam supra scriptorum hanc cartam scripsi et hoc meum signnm appo- sui in eadem. Pelrus Marlinus, Jobannes confiirmamus.
Tombo do mosteiro de S. Simão da Junqueira, liv. ii, fl. 58 v.
IV.^ O (An. lí:20S) — Sabham todos como fosse contenda per dante Domingos domingit Joijz de (faria antre Duram inarlijz procurador e demamlador de nosso Senhor el Reg nos rregaengos ascundndos e negados no Arcebispado de Bragaa da liua parte e don Johan Priol de Raiis por o dieta Moostegro de Ralis e per outorgamento de seo Convento da ou- tra sobre nove casaaes do dito Moostegro dos quaaes deman- dava o dito Duram martijz que deveya levar nosso Senhor el Rey de cada casal senllos meyos maravedis e senllas ga- lias e o so Joyzo ca dizia que fora ia tenpo que os levara e deu nosso Senhor el Hey e que lli iazian ascududos e nega- dos e se lie negavam ca o queria provar e andando per moylos preytos e {;er moytas rrazões o dito priol \êo a de- negar que os ditos Casaaes que non eran têhudos a pagar os ditos meyos maravedis e galias e so joyzo nen nunca os pagarian. E o dito Duran martijz dise que o queria provar per homéés bóós e pelo Registo ou per todo e andando pêra meter os enqercdores e pêra saber se a verdade vêo o dito priol e dise Joyz en sóó auuijdo con os Moordomos sobre estes casaaes e por tal rrazon non soo lêhudo a rresponder a Duran martijnz delas. E o dito Duran marlijnz dise : Joyz ora fica a mim a demanda que eu fazia toda ben cunhuçuda ca o moordomo que anda na terra que é rrendeiro non pode en alleanar os dereitosdel Rey e peço vos que me julgedes mha demanda en como a fazia por el Rey ca sabedes ca a ia grã tenpo que con ele ando en demanda e a my ia nioyto costado e protesto dos danos e perdas e dos novos que as- cunderon ai Rey des Ixx anos e mais ááco. Entõ o dito Joyz dise que se qeria falar e ao dia da fala o di'o Jogz auuido consello con sager Julgou que ouvese el Rey dos ditos ca- saaes os ditos meyos maravedis e galias e so Joyzo en cada hãu ano asy como sobredito he. E o dito Duran martijí
OEIGENS DO CHBISTIANISMO 7
98 APPENDICE
dise : Joyz julgademe as custas e os novos que ende leva- ron e o dito Priol dise ca nõ era seu Joyz e o dito Joyz dise quexhas julgase el Rey ca ia ele fezera quanto acharia do dereito e enton^o dito Duran martijz aprazou logo o dito Priol per húa carta dei Rey qiie a três nove dias parecesse perdante el Rey. Fecto foi xxiiij°'' dias de Julhu da Era de mil e trezentos e trijnta e três anos.
Estes son os casaaes conven a siber en san Martinho de Coyrel(?) híín casal e meo. It. en cacavelos na freege- sia de Goyos dous casaaf?s. It. na freegesia de Negreyros hún casal no que chaman Pedrreyra. It. na freegesia de santa Mariuha de Vicente no logar que chaman ofiaaes hiãu casal. It. na íTreguesia de ssanta Ouaya de Belfar no logar que chaman casal hún casal. It. cn Laundos no logar que chaman Rinl hí3n casal. It. na freegesia de Craslelo no logar que chaman Rlal de pararlela hún casal. It. en Mollnes três casaaes na freegesia de san Miguel darcos aonde el Rey deve levar en cada hún ano vj. vj. soldos de cada casal ou- trosy que er foy na demanda e na Sentença os que foron preesentes Domingos meedist aadhõ de Baralos. Lourenço pirez taballiõ de íTaria. Pêro dominguez. Stevan paaez de Laundos. Martin anes clérigo da Topa. Eu Stevan Giraldet pu- blico tahelliõ de faria rrogado a estas cousas presente foy aquesle espcrevy cõ mha propia escrevy e presente ao meu sinal hy pugi en testemunho de verdade. Fecto foy a pardo Moosteyro de san pêro de Rates na Era e no todo sobredito.
Gaveta 12, maço 6, n.» 18.
Extractos do Tombo de S. Simão da Junqueira
IV.o 7^ (Secs. XIII e XIV) — «Stephanus Pelri publicus Tabellio Domini Regis Portugaliae et Algarbii in terra de Faria et in villa de Ratis» Era i309 i, fl. 35
Id. Era 1313 i, fl. 33 . Id. Era 1310 i, fl. 39 9 Loorenço Peres Tabellion de Ratis e de Vila do Conde e da Poboa do Vrazim » Era 1354 i, fl. 45 v.
APPENDICE 99
« Em teslemiinho das dilas cousas rogei e mandei a Do- mingos Slevez pubrico Tabellion dEl Rei na terra de Faria que das ditas cousas fezesse hum stromento. . . , Feito foi en Bates primeiro dia de Setembro era de mil e trezentos e sassenta e seis annos ». (i, fl. 58).
(( Eu Joham Fernandiz puvrico Tabellion dei Rei em terra de Faria... este stromento com mha mãoo própria escrevi .... Feito foi em Rates em dia de feira ires dias de Maio era de mil trezentos e sassenta e oito annos ». (i, fl. 62)
« presente mi Joham Fernandiz pubrico tatollion dei Rey em terra de Faria e das testemunhas adeante escritas seendo em concelho em Ratis pereante Martin Annes Juiz de Faria. . , . Feito em Casal de Pedro vinte e três dias de se- tembro era de mil e trezentos e sassenta e oito annos ». (l, 11. 64 V.)
« En Joham Fernandes tabelliom dei Rey em Faria este estromento desta doaçam escrevi e meu sinal hi pugi que tal he. Feito foi em Rates dia parado do Concelho de Faria nove dias de Abril era de mil e trezentos e seteenta e dous annos ». (i, fl. 77 v.)
a Sabham todos como na era de mil e quatrocentos e quatro annos, vinte e seis dias do mez de Junho na Aldeia
do Ghantado termho do julgado de Faria E eu Joham
Lourenço Tahelion de Faria e de Rates que este estromento per mandado e outorgamento das ditas partes escrevi e meu sinal hi fiz que tal he». (i, fl. 93 v.)
Na cédula do testamento de Maria Peres, filha de Pêro Tuta de Rates e mulher de João Martins sapateiro lê-se: « Item mando a confraria de San Johane de liates onde eu soo confrada trinta e cinco libras » Era de 1442. (i, li. 153 v.)
No testamento de Martim Pires cavalleiro do Casal da- tado da era de 1327 deixa o testador a aos gaffos de Ratis hum quarteiro de pam ». (i, fl. 42).
« Era de mil e quatro centos e trinta e quatro annos doze dias do mez de setembro em Hatis perante Gonçalo Afonso Juiz de Faria hu sia em concelho ouvindo os f eitos... r> (II, fl. 108.)
4e
JOO APPKNDICE
a Gonçalo Vasqiies almno^urife per Dom Gonçalo Telles Conde de Nevha e Senhor de Faria nas suas terras , . . . » Fei- ta foi na Gesteira dous dins de Fevereiro era de mil e quatro cenlos e treze annos». (ii, fl. 109)
« Sabham todos quantos este estromento virem, como no anno da era de mil e quatro centos e vinte e oito annos dez e sele dias do niez de março em Bates perante Afonso Lourenço Juiz de Faria hu siaa em audiência ouvindo os fei- tos pareceu Dom Stevam Domingos Priol do moesteiro de San Simon da Junqueira do Julgado de Faria., dizia que recebia grande agravo el e os ditos seus caseiros poyn to- dolos os pressos que vinham de Barcellos dizia que os en- tregavam em Rates e que o Concelíio de Rates que os entre- gava logo a Ponle Darquos...» (ii, fl. 121).
IV.'' 8 (Ali. 13^3)— Don Denis pela grara de deus Rey de Portugal e do Algarve a todolos Almuxarifes Moor- domos e a todolos outros que an de ver e procurar e louvar e tirar os meus dereytos e dos meus herdamentos Regacngos danire doiro e mondego faço saber que ff rei Johan priol do meu moesteiro de Ratis veo a mjn e mostrou-mi tralados de privilégios fectos per maão de Tabolion dos senhores Reys que donte mjn forom en Portugal en como fundarem o dito Moesteiro de Ratis e o filharom por Capela dos Reys que en Portugal fossem e per que derom e outorgarem a esse Moes- teiro todalas dizimas dos dereitos do pam e do vinho e do Linho que eu ei daver desses meus Regaengos sobreditos pêra mantigmento dos frades Capelaães que esteverem no dito Moesteiro por rogarem a deus en sas oras por sas almas e pola minha e dos Reys que depôs min foren. E outrossy me mostrou cartas del-Reg Don Afonso meu padre a que deus perdoe perque Ihy outorgou este. E disseme qne algúus nom Ihy queriam dar essas dizimas dos meus doreitos desses meus Regaengos assi como Ihis foron dados e outor- gados pelos ditos privilégios e cartas e que Ihy poynhon hy enbargo. E pediu me por murcee que Ihy fezesse dar essas dizimas assi como era conteúdo nos ditos privilégios e car-
APPENDICE 101
tas que ende tija e eu ueendo que me pedia ben e que era serviço de deus e meu a prol de mha alma de ffazer man- teer aquelo que os Reys dnnte mjn deron e oiilorgaron ao dito moesteiro. Tenho por bem e mando que esse Moes- teiro aia as ditas dizimas como Ihy foron dadas e outorga- das pelos ditos privilégios ê cartas. E mando a cada huu de vós sobreditos qrie auedes de ueer e procurar esses meus herdamentos Regaengos qne non enbarguedes ao dito meu Moesteiro de Ratis as dizimas da mha parte que eu ouuer dauer desses Regaengos de pã e de vinho e de linho e aia- aes conpridamente secundo hé conteúdo nos ditos privilé- gios e cartas que ende (en se non a vos tornaria eu por ende. En testemúyo deste dei ao dito priol esta carta. Dante en l.ixbô) cilorze dias de Julho cl i'.ey o mandou per francisco simhõez seu clérigo Joham dominguiz de Por- tel a ffez. Era M.^iij.clxj. anos franciscus simeonis vidit.
Chancelaria de D. Dinis, liv. lU, íi. lõ"2.
"N.o O (An. 13S£>) — Dom Joham etc. A quantos esta carta virem fazemos saber que nos oolhando o serviço que nos recebemos de Pedro Afonso do Casal e querendo lhe nos conhecer e galardoar com mercees como cada hun Rey he theudo de fazer a aquelles que o bem servem e que- rendo fazer graça e mercee ao dito pedro Afonso Teemos por bem e fazemos lhe pura e irrevogável doaçam antre vi- vos evalledoira deste dia pêra todo sempre da quintaa do Casal que he en termo de Rates con todallas rendas fructos dereitos e novos delia. E queremos que a aia per aquella medes guisa e condiçam que a avia Inês alvarez e Afonso Rodriguez e Lopo seus filhos Porem mandamos aos Juizes do dicto logo de Rates e a todallas outras Justiças dos ditos regnos a que esta carta for mostrada que metam em posse da dita quintaa ao dito Pedro Afonso e o mantenham em ella e nom consentam a nenhiãa pesoa por poderosa que seia que lhe sobreella ponha embargo, outrossy lhe façam res- ponder e acudir com lodalas rendas dereitos fructos e no-
102 APPENDICE
VOS delle, a qual doaçam lhe fazemos se a outrem nom de- mos per nossa carta. E se assy he que os ditos Inês Alvares e Afonso Rodriguez e Lopo stam en Alanquer em nosso deserviço e fazemos a el esta doaçam de nosso poder abso- luto e da nossa certa sciencia e do nosso próprio movimento nom embargando quaesquer dereitos canónicos leis dos em- peradores ou dos reis nossos antecessores foros husos e costumes façam ha que sei jm em contrairo posto que aqui nem seiam expressos nem nomeados no> os avemos por no- meados e expressos e quer.emos que nom aiam aqui lugar. E em testemunho desto lhe mandamos dar esta nossa carta. Dante na nossa vil!a de Guimaraaés priuieiro dia de Junho el rrey o mandou Lançarote a fez era de mil iiijc xxiij anos.
Chancelaria de D. João i, liv. i, fl. 108 v.
N.'' IO (An. 1401) — Dom Joham etc. A quan- tos esta carta virem fazemos saber que por quanto o conde don gotiçallo nos deservio segundo foe mostrado perante nos juLado per sentença elle foe privado das terras e julgados de Viana e daguiar de Viana e de ãarque e de parlhal e de faria e de rrates e de vermoin com todos seus termos e cou- tos que el tijnha e auia dei rreij dom fernando nosso irmaõ a que deus perdoe e de nos E foram a nos confiscados e en- corporados em nosso património. E agora por quanto dom afonnso meu fdho conde de Barcellos segundo sua idade he de boas con Jições e desposto pêra bem e tal em que caberá toda cousa que lhe per nos seia fecta E entendemos outrossy per essa razam de o prover e dar-lhe taaes encargos e honr- ras a que compre pêra manteer seu estado segundo o lugar de que he aver per que o possa governar e soportar po- rende nó* juntarhente com a Rainha dona filipa minha tnolher e com o Iffante duarte nosso, filho primogénito e herdeiro do nosso próprio movimento e poder absoluto e certa sciencia avendo com elle primeiramente despensado com sua pessoa sobre todo defecto como despensamos e teemos despensado e abilitado pêra elle poder aver doações e heranças e ou-
APPENDICE
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tras cousas lhe fazemos pura simplez e irrevogável doaçam deste dia pêra todo sempre das dttas nossas terras
Não tem data ; é, porém, de 8 de novembro de 1439, A. C. de 1401, como se verifica por uma confirmação escripta no 2.° de «Mís- ticos», fl. 205,
Chanc. de D. João i, liv. ii, fl. 1S6.
N.o 11 (An. ISlS) — Dom Manuel etc. fazemos saber a vos licenciado Rui Fernandes nosso Corregedor da comarqua dantre doyro e minho que o santo padre nos ou- torgou per suas bulias certas partes das Rendas dos nioos- teiros de nossos Reynos pêra a ordem do meestrado de Christo pêra d'ellas proveermo.^ encomendas aaquelies que na guerra dos mouros servissem a deus e a nos o tempo que lhe ordenássemos E viindo a estes Reynos António Puccio núncio de sua santidade com poder de legado de latere asi- gnou em cada moosteiro dos dessa comarqua a parte que das Rendas delle ficaria pêra encomenda segundo verees pello Rool que com esta procuiaçam vos enviamos E per- que se convém logo s>e tomar a posse pêra a ordem em nosso nome e dos Reis que após nos vierem da cota que vay declarada no dicto Rool em cada moesteiro pêra ficar em comenda vos mandamos que logo per vós em pessoa ou per huua outra pessoa per vos em vosso nome e conio nosso procurador o faça tomees a posse com hum notário apostó- lico de todos os fructos e Rendas dos moosleiros que cstam nas terras da vossa correicam que vaão declarados no dicto Rool que com esta vay na qual posse o dito notayro com duas testemunhas declare no estromento delle como tal dia vós ou a pessoa que em vosso logar enviardes em nosso nome como perpetuo governador e administrador da or- dem do meestrado de nosso Senhor Jhesu Christo tomastes a posso dí^ tantos fructos em que se montam tantos cruza- dos de lai moesteiro dismenbrados e applicados a nosso meestrado e cavallaria do dicto meestrado per o sancto pa- dre leo decimo em bulia chumbada segtmdo de corte de Roma dada a xxix dabril do ano segundo de mil quinhentos
104 ArPENDICE
e qiiatorze. E per o P.everendo António puccio prolhono- tario e núncio de sna santidade e da sancta seó appos- lolica ciim potestate legali de latere e comissaryo especial de sua santidade a este negocio como tudo largamente pa- reça em híía bulia feita pelo dicto uuricio em forma de hum caderno assellada com o sen seello sollito pendente com cordam de seda vermelho dada em o primeiro dia de Ja- reiro deste ano presente de mil quinhí ntos e quinze na viJla de Santarém Os quaes fructos ficam logo da mesa do dicto meestrado pêra fazer delles comenda tanto que o tal moes- teiro vagar per morte ou per Hesignaçam ou per algun ou- tro iiiodo ou maneira que vague per cesso vel deccaso vel aliler. E o dicto r.otnyro appostolico ao tempo da toma la da dieta posse presente vós e as dietas testemunhas lea todo o estormento da posse que assy tomardes ao abbade, mon- ges ou prior e conventos de verho a verbo e disso faga ex- presa nicnçam e declaratjam r.o dicto estormento. . . pêra a lofiKida das qua-s poses e ptia todas as cousas aqui decla- ladas E ca&\ híía delas per esta presente carta vos consti- tuimos hordenamos o fazemos r osso soficiente e abastante procurador naquella miliior forma moio e maneira que po- dermos e que enj dereito seja mais valioso em tal ma- neira
Dada em a nossa villa dajmeirim a xxbj dias do mes de fe- vereiro António fernandes a fozanno de nosso senhor Jhesu Christo de mil bc xb.
IS. o 152 ( A-n. ISIS) — In nomine domini amen per hoc presens publicam instrumentum cumtis patrat eviden- ter et sit notum quod anno a nativitate eiusdem Milésimo quingentesinio decimo quinto die vero vicesima quinta men- se Madij in Monasleino sancti petri de Rates Bracharensc dio- cese ordwis olim sancti Benedicti ad ecclesiam parrochialem reddato in rnei notarij publici testiumque infrascriplorum personaliter constitutus Johannes de sancto Michucle scriba coram Correctore Justide domini nostri regis substitutus pro- curator vigore mandati dicti domini nostri Regis per me
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notarium in libro meo notavi in presenlia domini Anes fJo- liannes) de Soui<a prioris eiusdem rnonastenj presenlavit sibi licteras erectionis Monasteriorum emanalas a Reverendo paire domino domino António Puclio nuntio ac delegato sedis appostolice executivas aliaruin literarum sanctissimi domini nosiri domini leonis providentia divina pape decimi de et super gratijs et conoessionibus factis ab eodem domino papa domino nostro Regi cuj exposuil et notificavit qualiter ex dictis literis quorum tenor continetur in hoc iibro ap- paret ipsinn monasterium post cessum vel decessum moderni pnoris vacans et quoquomodo vacaverit teneri solvere ssii- mam nonaginta ducàtorum auri quam diclus sanctissimus dominus noster papa per executores dictaium literarum perpetue dimembravit et sepparavit a fructibus dicti Mo- naslerij et annexorum eidem et eam ssumam applicavit ac appropriavit et pro dote asignavit perpetue Mmjhtratiii do- mini nostri Jhesu Cliristi de quo ipso dominus noster Rex est perpeluus gobernator ut plenius continetur in eisdem licteris in execulione quarum et mandali dicti domini nostri Regis ipse Inslitutus procxiralor apprehendidit corporaleni realem et audualan possessionem ex parte tantum dictoriim fructuum dicti monasterii et annexorum siquas tenet quod vacante eodem monasterio dictus dominus Rex vel quem in prece- plorem duxerit eligendum tempore solutionis valleat et possit libere et licite percipere et retinere eandem sumam nonaginta ducatoriim sicut perferlur applicatam Magistrataj Christi quam possessione apprehendidit et assecutus est per ingressum Monasterii per lactum campanarum per pa- iram terram tegillum ingressum et exiitum Januarum ut more est possessionis de quibus omnibus petierit a me no- tório sibi díiri unum duo aut plura inslrumenlum et instru- menta Aucta. Faclum hoc in diclo monasterio anno die mense quibus supra presenlibus ibbidem discretis viris Ja- cobo fernandi, Marlino fernandi Johanne de fonte, Johanne Johannis et gundisaluo fernandi lestibns ad premisse voca- tis specialiter et P>ogatis vicini omnibus loci de Rates cerlis lamen proleslalionibus ibbidem factis apud me contenlis in
106 APPENDICE
nota mei notarij que inducunt prolixitarem possessione huic.
Et ego Martialis Vclasci clericus Bracharensis pnblicus auturitate appostolica notarius que premissis omnibus et singiilis cum prenominatis teslibus presens interfui et oinnia vidi et audivi et in notam supri ex qua hoc presens publicum instrumentum scripssi et publicavi quod nomine et signo publico in hac lauda osignavi munivi et roboravi in fidemet testimonium veritate Rogatus et requisitus.
Ego Martialis Velasci clericus Braciíarensis publicus auctoritate appostolica notarius lianc laudam scripssi con- cordavi et emendavi signo que meo próprio munivi in fidem veritatis Rogatus et Requisitus.
Caderno em que estão todos os autos de posses que se tomarãk) na comarqna de Antre Doiro e Minho das rendas e fructos dos Mos- teiros e Igrejas que foram metidos nas comendas que El Eei D. Ma- noel fez criar de novo para a ordem de Christo, fl. 17 v. Gaveta 7, Maço 16, n.« 3.
1S.° 13 fA-n. 1S34) — Dom Joam etc. a quantos esta minha carta virem faço saber que os oficiaes da camará da villa de Rates me emviaram dizer per sua petição que por os moradores da dita villa serem proves e os mais se es- cusavam por previlegios que tinham dos oficiaes do Concelho e os que serviam Recebyam grande opresam se queixaram a mim pedindo me que na dita vylla nam ouvese privile- giados pêra os ditos ofícios e que eu pasara meu alvará pêra que ho ouvidor da dita villa se emformase diso e me en- viasse todo o que achase com seu parecer ao que fora sa- tisfeyto segundo poderia ver pellos autos diso que me o dito ouvidor enviava pellos quais se mostrava na dita villa e ter- mo nam aver 7nais que xxx e Ires moradores que nam chega a corenta e os mais delles sam previllegiados asy despin- gardeyros, caseiros do comendador, memposteiros dos caty- vos, estalajadeiros, amos de fidallgos e alguns outros sam nabeles pêra ser oficiaes de maneira que os que ficavam pêra o ser eram iam afadigados com hos ditos ofícios que
APPENDICE 107
ho nam podiam sofrer e que portanto me pediam por rr.ercê ouvese por bem que na dita villa e termo nenhum nom (Tosse escusado de servir nos ofícios do concelho por previlegio que levese e vysto per mym seu Requerimento e asy os autos que me ho dito ouvidor mandou dar diligencias que por meu uiandado sobre ello fez com seu paregere ey por bem e mamdo que sem embargo de quaisquer privilégios que posam ther os moradores da dita vylla de Rates nam posam ser escusos de serem Juizes vereadoYes procurador do Concelho e asy allmotaçés e mando que quando em quais- quer dos ditos ofycios forem electos os servam sem em- bargo dos ditos privilégios notefico asy aos Juizes e oficio.es e ouvidor da dita villa que ora sam e ao diante íTorem e a todallas outras Justiças oOciaes e pesoas a que esta minha carta foor mostrada e o conhecimento delia pertencer e manio que asy a cumpram e fa^am inteiramente comprir e goardar por que asy he minha mercê. Dado em a cidade dEvora aos iij dias do mez de novembro Amrrique da Mo- laa a fez Anno do nacimento do noso Senhor Jhesu Ghristo de mil !:cxxxiiij**r anos.
Chanc. de D. João iii, liv. 2u, fi. ISI v.
TN.o 14 {A.u.. 1S08) — Dom Sebastiam etc. como governador etc. faço saber aos que esta njinha carta de co- missàm e poder virem que confiando eu da bondade con- sciência discriçam e saber de Mamiell Telez comendador da comenda da igreja de sam pedro de Bates que hé hua das co- mendas novas da dita ordem que conforme a obrigação que tem como cavaleiro professo da dita ordem procurará a con- servagam e acrecentamento dos beens e rendas delia espe- cialmente dos que pertencem a dita comenda hey por bem e me praz de lhe cometer e dar como de feito pela presente carta cometo e dou poder pêra aforar e enjprazar e inno- var todos os beens e propriedades que a dita comenda de sam Pedro de Rates pertencem e que costumam andar afo- radas e emprazadas em vidas e os que conforme o dereilo « as definições da dita ordem se podem e devem aforar e
108 APPENDICE
emprazar ou innovar fazendo-se primeiro veedoria como mandam as ditas dennições os qoaes aforamentos empra- zamentos innovações assim poderá fazer em três vidas e mais nam e nam ceram contadas duas pessoas em hua vida e isto com aquele acrecentamento de mais foro ou pensam que for justo e onesto aliem do que se dantes pagava con- formando-se acerqua disso com a dita vedoria de que se fará declaraçam nas escreturas dos aforamentos que fizer nas quaes se nomearam os bens com declaração de suas derharcações, medições e confrontações e se forem vinhas ou pumares declarará quantos homens levam de cava e as terras quantos allqueires levam de semeadura e de que se- mente e sendo olivaes ou soutos quantos pes doliveiras.. . Pedro Martins Vaqueiro a fez em Lisboa a b doulubro de mil b^lxbiij.
Chancelaria da Ordem de Chiisto, liv. i, fl. 233 v,
IV° IS (An. 1680)— A Villa de Rattes está cituada
na Comarca da Ou vedoria de Barcellos; porem hé desta
Provedoria do Porto. Hé da Sereníssima Caza de Bargança,
tem juis e comarca com toda a jurisdição ; e tem os legares
seguintes, e a sua freguesia desta villa se invoca São Pedro
de Piattes. — Aliea do Outeyro. Aldeã de Goardaes. Aldeã
da Granja. Aldeã da Serra. Aldeã da Vergonh^i. Aldeã da
Fontaynha. Aldeã do Pinheyro.
Vicente Ribeiro de Meireles, Promptuarlo das terras de Portu- gal em 1689, ms. pg. 100.
N.o IO (An. IT'^®) — Fica esta villa na Provincia de entre Douro e Minho no Arcebispado de Braga Primaz comarca da cidade do Porto termo desta villa, correyção da de Barcellos, e hé só hua freguezia.
He esta terra pertencente á Serernssima Casa de Bra- gança e hoje hé da Sereníssima Senhora Princeza do Brazil 6 Duqueza da Sereníssima Casa.
O termo desta villa não tem freguezias sujeytas, tem
APPENDICE 109
coatro aldeyas chamadas da Serra, que tem coatro vezinhos, Granja que tem vinte e coatro vizinhos, Boynho que tem doze e Goardais que tem nove.
Tem Juiz ordinário e csmeTa. poHo pella serenituíiima Casa de Bragança^ conhesse em correyção, }:k>i appellarão e agra- vo o ouvidor da villa de Barcellos, e dos Orphons e coymas o Provedor da cidade do Porto.
Hé couto sobre sy. Tem feyra franca aos de: dos meses que dura só um dia.
Sem data (1758). Reitor Nuno Rodrigues de Castro. Memorias parochiaes. Tom. xxxr, pag. 91.
Os documentos publicados em appen- dice e as citações constantes do texto para abonar o catalogo dos Commendadores de Rates foram -me gentilmente remettidos da Torre do Tombo pelo meu erudito amigo e grande caracter snr. Pedro A. d' Azevedo, douto e infatigável conservador d'aquelle archivo.
A sua ex.^, que tantos e tão relevantes serviços tem prestado á historia d' este paiz, aqui deixo consignada a homenagem muito sentida do meu profundo reconhecimento e inolvidável gratidão.
Egualmente agradeço ao ex."'° senhor Doutor J. Mendes dos Remédios, sábio rei- tor e professor da Universidade de Coim- bra, a amabilidade captivante da revisão das provas deste humilde trabalho.
Mge. Fekreira.
índice
PAG.
Introducção 5
CAPITULO I — Do estabelecimento do Christianismo
na Península Hispânica até á paz da Igreja . . 29 CAPITULO II — Tradições da diocese de Braga sobre
o seu primeiro bispo 49
CAPITULO III — A Villa de Rates, sua Igreja e seu
Mosteiro, Commendadores e Commendadeiras . 63 CAPITULO IV — Julgado, concelho e senhorio de
Rates 80
Conclusão 85
Appendice de Documentos 91
' ^-Jí'-
vo
37 — Auctoridade do texto do Xoto Testamento, por
Micallef Pace.
38 — Conectivi«ino e conamBÍsmo, por A. Toussaini. 3Q — A iiiaçonaria. por Zuzarte de Mendonça.
40 — Princípios de economia social, por H. Rabat du Mérac.
41 — ipolosretit-a popular, por André Godard.
42 — A doutrina posítiTÍ^ta, pelo P.« Senna Freitas.
43 — A e?oiiiçâo e a relisiâo, por Cario Savio.
44 — O pejisimisnio conteuiporaBe«^ por C. Mano.
45 — Architectiira cliristâ, por Gomes dos Santos.
4O — O siocialÍ!<uio e a propriedade, por Gabriei Ardant.
47 — Philosophia da Oraeâo, por I. L. Goada).
48 — As escoíasi de moral. p<?r j. Bragerette.
49 — A Educação Christâ da Democracia, por Ch. Ca- iippe.
50 — O regimen corporatiTO, por G. de Pascal.
51 — Problenjas de legislação social, per Gomes dos Santos.
52 — Historia critica dos Evangelhos, pw J. Corlay.
53 — A Doutrloa Nacionalista, por Jacinto Cândido.
54 — (Questões da hora presente, por Gomes dos Santos.
55 — O livre peosamertu, p-^r .\. Caret.
3Ó — Evoliiçái». progresso e liberdade, por Pierrô v.i!lr»t. 57 — A vida futura, por A. Lasenaire. 58 — O Milagre, por E. Goste.
59 — Unidade da espécie humana, porM. deNadaillac.
60 — Necessidade scienlifica da existeaeia. de l>rn<, por Pierre Courbet.
61 — Im santo no século XIX, por ***.
62 — A ruina doutrinal do protestantismo, f ca- Tonning e Baitus.
63 — Provas siientificns da existrncia de Deus, por Poulin eLoutil.
64 — .1 magistratura judicial da Igreja, por Micallef Pace. — O nome que subscreve este volume, e que já deu á nossA collecção uma obra interessantíssima de exegese, dispensa elogios: sobre o ralor desta obra, que se occupa dos direitos da Igreja, derivados da divindade da sua origem.
65 — A tbeoria philosophlca do Imposto, por Domet de Vorges. — Uma escola vagamente humanitária poude seduzir os ca- tholicos, apresentando o imposto, não já como a parte coniribuí- tiva de cada qual para as despezas conunuos* mas como um meio de rrtru.^iticar a distribai*jão da riqueza e de nivelar gradoahnente a c ••.omica dos indivíduos. O sr. de V-^rges, de acc(M'do c ^;a e com os próprios princípios de 17S9, demonstra qae o imposto progressivo seria tão contrario á nossa tradioção como á justiça natural.
66 — A apologia da Egreja Catholica, porS. Mahoo de ? ' n — X'um rápido esboço histórico, que abrange os quatro
séculos, o auclor põe em relevo a obra dvilisadora da Egreja, descrevendo-nos a acção dos Pontiôces, os fructos das or-
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dens religiosas, a influencia cliristã na vida politica e sociah da Eu- ropa, na conquista dos novos mundos, nas sciencias, nas artes, nas leitras e nas industrias.
67 — Ort motivos de e>*perança, por Fernando Brunetière.
— Kste volume, que é a sequencia natural das Razões de crer, já publicadas na nossa coíIecçSo, insere uma conferencia magistral do eminente académico francez. No meio das circumstancias appa- reniemente tão desfavoráveis ao desenvolvimento da ideia christã, os leitores terão prazer em eniprehender, com Brunetière, a recon- fortante meditação dos nossos motivos intellecluaes de esperar.
68 — O niatcriali-íino e a arte musicai, por Th, Ortolan.
— N'esta refutação humoristica do materialismo, de par com a clareza da exposição e os encantos do estylo, encontra-se a precisão scieniifica e o rigor do raciocinio.
69 — Caminhando, por Gomes dos Santos. — N'este volume coordenou o auctor alguns estudos sobre a organisação social christã e outros de flagrante actualidade sobre os deveres dos catholicos,
70 — As theorias iiioderna<< da criittinalldAde, pelo dr. Delassus. — O auctor, professor da facuUlade de medicina de Lille, expõe succiíitamente e>tas theorias, e em particular as de Lombroso. Mostra a inanidade das conclusões tiradas de factos mal observados ou mal interpretados.
7í —Causas efficienteii e causas íinaes, por G. Tuccimei.
— O mundo é um vasto aggregado da matéria, ordenado pelo ca- pricho do acaso? Ou revela elle uma finalidade intelligente, de- monstrativa d'um plano, e, portanto, d'um Auctor? E' o que o erudito professor italiano sabiamente estuda, n'uma larga excursão pelo domínio das sciencias naturaes.
72 — Os licroes da fé, por Micallef Pace. — Os heroes da fé são os primeiros martyres christãos, que por ella deram o san- gue e a vida nos circos onde os lançavam ás feras. Opportuna é esta evocação, n'um momento em que os christãos carecem de força sobrehumana jiara não succumbirem ás perseguições que os alvejam.
73 — Arc!iCo!oí:ia christã, por mgr. Ferreira. — Sabe-se que importância tem hoje o estudo da archeologia como subsidio fundamental para a historia do christianismo. Um douto sacerdote portuguez quiz encarregar-se de preencher uma lacuna da nossa col- lecção, escrevendo este volume, que é precioso repositório de assum- pto muito ignorado.
74 — Catliolícos e nocialistas, por Etienne Lamy. — O iUustre académico faz. n'este volume, uma critica brilhante e^uito philosophica do socialismo, e estuda a organisação e funcção das curiosas t Semanas Sodaes », verdadeiros congressos dos democra- tas christãos, encarregados de fixar simultaneamente a pratica e a doutrina.
75 — Os ETani^clhos e a Pessoa de Jesus Ciiristo, pelo dr. Sousa Gomez.
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